Férias para Sempre, outra vez.

[Políticos franceses entram em reality show. As notícias relativas ao processo Casa Pia mostram que o mesmo está longe de resolvido. Apagão eléctrico em Nova York: inquietante a fragilidade de um empório tecnológico; admirável a tranquilidade e bonomia nas ruas novaiorquinas; recorrente o medo de uma nova tragédia accionada pelo terrorismo. Vaga de incêndios assola Portugal.

[Data da primeira publicação: 22 de Agosto de 2003]

Férias para Sempre, outra vez.
Olá manita,
Não sei que me deu, que avaria foi esta na cabeça ou no teclado do computador, mas o certo é que neste mês de Agosto só me apetece escrever-te sobre férias. Uma noite destas sentei-me à secretária e tentei obrigar-me a escrever sobre outra coisa qualquer. Mas os dedos fugiam-me, as palavras desobedeciam-me à formulação e tudo acabava em férias. Tanto mais esquisito isto se torna, quanto é verdade que não tivemos assim tantas nem tão prolongadas férias. Talvez, por isso, as que tivemos se imponham tanto à memória e forcem a saída para o papel.

Um dia destes, em reflexão vagabunda e desenfreada, concluí que há um verbo privilegiado quando se trata de falar de férias: IR. Ora, IR acorda-me as caravelas da memória, a lembrança de dias que não vivi mas quero contar, recontar, atirar para os mares de gerações não nascidas ainda. Há uma relação íntima entre este ser português que nasceu connosco e a ideia de IR, de viajar, de partir, de regressar. Por vezes, ainda não partimos e já sentimos saudades, já planeamos o regresso. Provavelmente porque nos agrada tanto regressar quanto partir. Por outro lado, partir tem a força de soltar amarras, de virar costas aos velhos do Restelo que nos assustam a alma. O que se me afigurou, de repente, e de forma muito portuguesa, foi que a viagem, propriamente dita, não é, afinal, o mais importante. O fundamental são a coragem de partir e o prazer de regressar. Há Ulisses e há Eneias e há Gamas à solta nisto que acabámos por vir a ser neste canto da península. Imagina uma viagem como uma corda. Quem quer saber do meio da corda? Quem lhe pega pelo meio? Ninguém! Queremos, sôfregos, uma das pontas para poder puxá-la, atá-la, talvez, para poder vivê-la! Talvez só queiramos as pontas porque sabemos o que fazer com elas; é como as viagens: sabemos sempre o que PARTIR e REGRESSAR querem de nós. O que não sabemos é o que fazer com a imensidão de opções que o meio da corda nos oferece. Vem isto a propósito de dizer que os portugueses são valentes “iniciáticos”, extraordinários “conclusores” mas atrapalham-se um pouco com o processo. O processo é que é o diabo.

Já não sei se foram as divagações que me despertaram a memória ou se a memória que divagou e se perdeu nas linhas que acabei de deixar-te. Sei, somente, que tudo isto surgiu quando me lembrei de ter viajado sozinho pela primeira vez. Fui (perfeito do verbo IR) ao Algarve! Tinha terminado o nono ano (quantos séculos!), e os pais ofereceram-me a oportunidade. Como quase sempre na minha vida, agarrei-a. Mochila azul até não poder mais, roupa, alimentos e a alma aparelhada para a aventura. Duas semanas inteiras de liberdade absoluta pela frente e, curiosamente, pouco mais me lembro do que da partida e do regresso! Lembro-me de firmar as pernas e subir para o autocarro, um aceno, um adeus, a mãe para trás, uma coragem de partir. Lembro-me, mais tarde, do fresco da minha Ítaca de primeiro andar em Coimbra e dos despojos de viagem pelo chão à mistura com narrativas empolgadas do que quer que seja que ficou no meio da corda.

Por que te escrevo disto hoje? Por que relembro uma viagem em que não participaste? Para dizer-te que foste comigo naquela altura como estás comigo hoje. Para dizer-te que faltaste tu na minha bagagem, para dizer-te que vinte e muitos anos passados e ainda hoje penso que tudo teria sido mais extraordinário se te tivesse levado comigo mais do que na alma. Para dizer-te que ser irmão é assim: ser o mesmo noutro corpo.

Beijo
mano

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