Educar

[Realizou-se o VIII Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais - A Questão Social no Novo Milénio. Rebeldes tomam escola em Beslan - Rússia e fazem 350 reféns. Presidente Bush encerra a convenção republicana prometendo um mundo 'mais seguro'. Estados Unidos vetam proposta de países árabes p/ o fim de ações israelenses na Faixa de Gaza. Augusto Pinochet é interrogado pelo juiz Juan Guzmán Tapia sobre a Operação Condor. Secretário Colin Powell afirma que capturar Osama bin Laden continua a ser a prioridade dos EUA. A Rússia aprova adesão ao Protocolo de Kyoto.

[Data da primeira publicação: 10 de Setembro de 2004]

Educar

Querida mana,

De todas as coisas que a vida me tem dado e das coisas todas que me tem exigido, uma se ergue em lugar de destaque como o desafio maior, a maior nau na tormenta mais difícil: Educar!
Admiro, hoje, à distância de quem pode olhar para o tempo que passou com calma e traçar-lhe os contornos do percurso feito, a forma admiravelmente simples como os nossos pais assumiam os gestos mais complexos, os mais difíceis. Para eles, penso, educar era toda uma intuição, todo um fruir de instintos, uma fé.

Olhando para os dias em que fomos meninos e relembrando o que ficou marcado na mente e no peito, quase diria que para eles foi fácil.

Só agora, todos estes anos volvidos, com um filho que me quer ultrapassar e que já calça numero maior do que o meu, sei como foi difícil. Como sofreram nas noites em que voltámos mais tarde, como ficaram expectantes pelas nossas prestações num teste, num exame, como se preocuparam quando adoecíamos, como sofreram quando julgaram não nos ter dado o melhor, como riram com as nossas vitórias, como ficaram felizes com o nosso crescer.

Por vezes penso que gostaria de perceber como fui educado para usar a mesma receita, a mesma estratégia. Mas não há receitas nem estratégias. Os seres são singulares e quem vem a ser pai ou mãe tem traçado um inexorável caminho de sorrisos e lágrimas que não pode controlar. Ainda assim, tento aprender pela memória processos, gestos ou palavras que tenham resultado comigo. E sabes que concluo? Que educar não é como dar aulas. Penso que nós, professores, por defeito de profissão tendemos a confundir um pouco as duas coisas. Mas não podes planificar uma educação e colocar um filho num plano de apoio para o reduzir a uma estatística. Penso, sobretudo, que educar se faz muito menos pelas palavras que pelos actos. As palavras perdem-se na imensidão do tempo e no poço da memória. As palavras da certeza, hoje, esfumam-se na neblina de ontem.

Aposto nos actos que perduram. Não falo de actos pensados e programados para as crianças verem como quem assiste a uma peça de teatro. Falo dos actos que repetimos quotidianamente, daqueles que nos saem com naturalidade, daqueles que nos estão sob a pele e vão construindo a nossa conduta, o nosso carácter. Por pequenos que sejam, são esses os actos que hão-de perdurar, são esses os actos que hão-de educar para além das teorias todas e de todos os livros que os homens pensaram mas não agiram.
Ser honesto é educar honesto. Amar é educar no amor. Ser tolerante é educar para a tolerância. Respeitar é educar no respeito. Resistir é educar para a resistência. Educar é ensinar a educar numa linha contínua de transmissão de condutas, sentimentos e actos que se transmite dos pais para os filhos e dos filhos para os filhos dos filhos até que o tempo o deixe de ser.

É por isso, mana, que não me preocupo muito com a lembrança das frases que os nossos pais usaram e, contudo, jamais esquecerei os actos com que nos fizeram crescer. É por isso, mana, que tenho este pensamento interessante: educar deve basear-se na exigência. Numa exigência que os educadores devem ter, antes de mais, para consigo próprios.

Beijo
Mano

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