Perda irreparável

Um dia um jornalista disse que José Saramago não tinha meio-termo nos sentimentos que despertava nas pessoas. Ou se gostava, ou não se gostava. Ou se era um leitor assíduo, ou recusava-se liminarmente a leitura. Eu leio Saramago desde que me conheço. Sempre li e sempre gostei. Antes do Nobel, durante o Nobel e depois do Nobel.
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Não é o Nobel que interessa. O que interessa é o extraordinário património cultural, literário e humano que deixa como legado. Cada um fará a sua análise. Uns dirão umas coisas, outros dirão as coisas opostas. A mim, não me interessa nada disso. Fica-me só um sentimento de vazio, de perda irreparável de um homem que me deliciou a mente, me fez sentir mais gente, mais humano. De um homem que retratou a minha condição e a condição do meu povo de forma ímpar.
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Estes dias disse a uma pessoa de família "Qual será o próximo livro do Saramago?" Parece que não será nenhum. Li, sem vaidade, só como constatação, todos os seus romances. Tenho um preferido, como toda a gente. É uma espécie de livrinho de revisitações. Chama-se "Levantado do Chão". E como não haverá um próximo, é chegado o tempo das releituras!
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Curiosamente, agora que faleceu, Saramago já está na minha mente, muito acima do chão dos homens. Está no lugar dos visionários, dos solidários, dos homens que estavam à frente dos outros. Perdeu-se um homem e um escritor ímpares. A obra, e ele através dela, perdurará para sempre.
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Por ironia, numa fase em que estamos a ser agredidos pela subjugação do pensamento humano à finança e à tecnologia, numa fase em que a visibilidade se assume como um valor mais do que a honestidade e a integridade, parte de nós um símbolo da essência. Um símbolo daquilo por que temos de lutar.
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Obrigado, José Saramago. A única coisa que me ocorre dizer-te é que o nosso povo seria um povo mais pobre se não tivesses existido. Resta-nos a sensibilidade e a inteligência para reerguer-te o propósito todos os dias. Assim tenhamos a coragem.
João Paulo Videira

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