Teoria Vagabunda sobre o Telemóvel

Andava um pensamento solto na minha mente. Irrequieto. Há pensamentos assim, nem saem, nem param. Interrogava-me a verdadeira necessidade de utilizar um telemóvel. Resolvi ignorar. Afinal de contas, com tanta gente a utilizá-lo, com tanta gente a possuir mais do que um, com tanta operadora vendo os lucros subir, quem seria a minha pobre e perdida alma para interrogar-se acerca do assunto?
Mas, sabem como são as ideias, quando germinam, irrompem e nascem, quer queiramos, quer não. A minha interrogação e a reflexão com ela, não nascera ainda porque ainda não adquirira forma nem vida. Hoje, contudo, enquanto regressava a casa, no comboio, com a música nos ouvidos, reparei que várias pessoas foram sucessivamente atendendo e chamando outras com seus telemóveis. A determinada altura, tinha cinco desses mágicos e pequenos telefones a funcionar à minha volta. Resolvi tirar a música dos ouvidos para escutar com clareza o que de tão importante e inadiável estava sendo comunicado.
Nada. Nem uma ideia! Rigorosamente nada que acrescentasse nada a nada. Meras trocas de palavras de circunstância que nem conversas se podem chamar. E havia até uma pessoa que já tinha o cabelo colado à face com o suor de ter o aparelho encostado ao ouvido dizendo nada, ouvindo nada. Combinaram-se umas horas, umas esperas, combinaram-se à distância umas coisas que podiam perfeitamente ter esperado para serem combinadas em presença.
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E fiquei pensando na minha comichão mental. Os telemóveis trazem-nos a todos combinadinhos, controladinhos, acertadinhos e estão a formatar os gestos das pessoas e a aniquilar a sua espontaneidade. Já ninguém espera por ninguém, já ninguém surpreende ninguém e já todos sabemos onde estamos todos e por isso mesmo não estamos sentindo a falta uns dos outros. E era importante que esperássemos uns pelos outros e nos preocupássemos e tivéssemos medo do que poderia ter acontecido. Esse sofrimento é um pilar do Amor. E já não se fazem surpresas nem há desculpas para que se não avisem todos acerca de onde estamos a fazer o quê, com quem. E que falta faz à vida humana o improviso, a surpresa e o sentimento de perda! Precisamos sentir a falta uns dos outros para valorizarmos a presença quando chegamos a estar presentes.
Hoje, por via deste contacto constante, as pessoas cansam-se umas das outras e depois, quando estão juntas, recolhem-se e refugiam-se na busca de alguma intimidade e reclamam de nunca estarem juntas! E o irónico é que não estão porque estão sempre!
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Estamos sempre achados e encontrados e andamos esquecendo que ninguém se encontra sem se ter perdido primeiro, que não há encontro sem desencontro.

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