O Clã do Comboio - Fugaz

Olá estranha!
Não vens sempre. Talvez até nem apareças nunca mais e é por isso que vou reter-te nas malhas das palavras.
Mais de vinte. Menos de trinta. Alta. Os cabelos lisos e brilhantes, que apanhaste pouco depois, deixaram à vista dois brincos largos e rendilhados como os de uma sevilhana. A face rosada e os lábios carnudos. Tens aquelas mãos que assustam os homens. São finas e longas e amplas. E, sendo grandes, não perdem a elegância. Pelo contrário. Camisola preta de gola alta e manga comprida, colada ao corpo e por cima dela uma camisolinha de lã cinzenta com decote generoso e manguinhas curtas. Fica bonito o preto a emergir do cinza suave. O casaco preto de pele e pelos quentes e fofos que tiraste pouco depois de chegares completa o quadro monocromático de bom gosto. Botas de cabedal e cano alto subindo-te pelas pernas até ao joelho onde fazem uma aba. Dos joelhos até à camisola de lã só as meias. Estas que agora se usam que não são só meias mas também não chegam a calças. O gloss nos lábios dá-te um brilho agradável e sensual. Mas não és, sobretudo, sensual. És uma mulher elegante que vai para o trabalho na juventude da vida.
Leste. Era trabalho o que lias. Mas não estavas lendo, estavas fugindo de todos nós como que demarcando o teu espaço, o teu isolamento no meio da carruagem. Mas contigo isso não é possível. Uma mulher como tu não passa despercebida. E nem é por ser particularmente vistosa. É por ser natural e profundamente elegante.
Vieste fugaz e amanhã já não estarás. Mas isso que importa? Importa bem mais a imagem que nos deixaste colada no cérebro. Presença fugaz marcada fundo no recanto das fotografias que todas as mentes têm.
Há pessoas que dão mesmo sem se aperceberem. Há pessoas cuja presença permanece mesmo depois de terem partido. Tu és uma dessas anónimas que paira na ausência e para quem não temos nome mas gostaríamos de ter. Eu chamo-te deliciosamente Fugaz.

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