O Clã do Comboio - Reencontro

Reencontro
É oficial. estou velho. E gordo!
Apareceram na plataforma uns indivíduos novos. Novos na idade e novos no facto de não serem costumeiros na plataforma. Eram dois.
Um deles era baixo, tinha o cabelo comprido, arredondado à volta da cara e a dar-lhe por cima do ombro mas sem lhe tocar. O ar cansado, a barba por fazer. roupas práticas para o trabalho. O outro era alto. Barbinha feita e um ar menos cansado. Com entradas suficientes no couro cabeludo para dizermos que é careca ou para lá caminha. E lá entraram no interregional das 7:18 e lá foram a conversar um com o outro e com outras pessoas da carruagem. Sobretudo o baixinho da barba por fazer. Não os conheci nem os reconheci. Mas há um momento para tudo na vida e acontece que a determinada altura da conversa, o baixinho da barba por fazer abriu muito os olhos, fez um sorriso e abanou a cabeça num trejeito, assim como quem ajeita o cabelo sem lhe mexer. O sorriso, confesso, não lho conheci, mas o brilho no olhar e, sobretudo, o trejeito com a cabeça fizeram-me olhá-lo com mais atenção. Não precisei olhar muito. Tirei os phones dos ouvidos e disse-lhe:
- Bom dia.
Ele respondeu de forma muito educada e quase contrastante com o aspecto, numa voz suave e composta:
- Bom dia.
- Sabe, você foi meu aluno para aí há uns 20 anos.
- Acho que não. Não o reconheço.
- Eu sou professor em Alcanena.
- Eu nunca estudei em Alcanena.
- Peço desculpa, devo ter feito confusão.
E aqui fiz aquela figura ridícula que sempre fazemos quando confundimos alguém com outrem. A minha viagem estava condenada e a minha reputação de excelente memória tinha acabado de sofrer um duro golpe. Acontece que até à morte há esperança e o moço, conversador, quis acrescentar qualquer coisa ao diálogo como que a honrar as suas próprias memórias ou a buscar um laço entre nós que mantivesse a chama da conversa acesa:
- Não tenho nada a ver com Alcanena, excepto que conheço um professor de lá, um excelente professor, talvez o senhor o conheça, chama-se João Paulo Videira.
- O João Paulo Videira sou eu!
- Ena pá... é mesmo! Você está gordo! Nem o reconhecia. Mudou as feições.
- Já estive mais...
- Você foi meu professor em Constância!
- Isso foi há 18 anos. Não errei muito.
- Olhe aquele ali é o Tó.
- Pois é! Estou mesmo velho. Já tenho alunos carecas!
O Tó riu. Rimos todos. Lembro-me muito bem deles. O baixinho da barba por fazer na altura não tinha barba. Tinha uns 12 ou 13 anos. Era uma criança muito activa, irrequieta mesmo, mas nunca foi mal educado. Pelo contrário, era aquele tipo de miúdo cordato, extremamente educado, mas que não parava quieto. Já na altura balançava o corpo ao andar e fazia um trejeito com a cabeça para consertar o cabelo. Tinha um brilho no olhar que transparecia esperança e boa disposição.
O Tó, agora a caminhar para careca, era diferente. Sempre foi um miúdo mais tranquilo, mais pacato, de evitar confusões, mas sempre foi, também, mais teimoso. Convencê-lo de que tinha de contrariar-se era muito difícil.
E agora, já não são personagens antigas da minha memória. São dois homens a caminho do trabalho no interregional das 7:18.
Estou mesmo velho. E, pelos vistos, gordo!

NetWorkedBlogs