O Tempo de uma Ideia

Quanto tempo tem uma vida?
Da inevitabilidade e da marca que é a morte discorremos com frequência e com abundância.
Mas, e a vida?

Não é igualmente inevitável nascer? E essa marca que valor tem? E o tempo entre elas quanto é?
Vem isto a propósito de me terem dito há dias uma frase intrigante. "Não interessa quanto tempo tens, interessa o que fazes com ele, a qualidade desse tempo."
Não podia estar mais de acordo e, ainda assim, duvido. A qualidade do tempo é fundamental, mas não podemos ignorar que estamos sempre balizados por essas duas inevitabilidades que não controlamos. O nascimento e a morte.

E quando o que queremos viver dura mais tempo do que o tempo que temos? E se quisermos viver duas vidas, ou três, ou mesmo quatro? Esta impossibilidade determina outro factor que, também ele, se revelará determinante ao longo do nosso percurso. Escolhas.
Escolher parece fácil. Mas não é. Reparem, quando vamos a um restaurante, a simples escolha de uma refeição, nada de extraordinário, portanto, gera dúvidas, indecisões e impasses. Ora, escolher um caminho a dar à vida é extraordinariamente complexo e, no entanto, tem de ser feito. Com quem viver. Não viver com ninguém. Como educar um filho. Como gerir uma carreira. Uma família. Que família. Que pessoas admitir no nosso restrito círculo familiar e privado.

Como se percebe pela estratificação da grande questão "Que caminho escolher para a vida?", essa opção não se faz de forma absoluta nem de uma só vez. Não é possível dada a complexidade, a heterogeneidade e a multiplicidade de opções a ponderar. É uma opção que se faz passo a passo, dúvida a dúvida, momento a momento, situação a situação. E no fim, no derradeiro momento, com sorte, saberemos se fizemos as boas ou as más escolhas sendo que o que determina se são boas ou más não é o juízo alheio mas a forma como convivemos com elas. A nossa tranquilidade em relação às escolhas feitas e às consequências delas. Assim, a grande escolha da vida não é uma, nem se faz de uma vez. São milhares de opções que fazemos ao longo da vida, todos os dias dela. E deixemo-nos de de ficções e falsidades, não têm nada de ser coerentes. A minha amiga S.S. costuma dizer que é incoerente por opção. E essa, caros amigos, é a única coerência. E mais, essas opções, tal como nascer e morrer, são solitárias e egotistas. Não há mundo para além de nós, se nós não existirmos para o mundo. Não há gente para além de nós, se nós não existirmos para as pessoas. E essa visão é inexoravelmente pessoal e individual e determina tudo o resto. Não amaremos o próximo, se não nos amarmos primeiro a nós. Não seremos solidários com os outros, se não formos capazes dessa solidariedade, primeiro, para connosco. Não faremos o bem a outrem, se não o fizermos primeiro a nós e não sofreremos pelos outros, se não formos capazes de sofrer, primeiro, por nós mesmos.

Sofrer, de resto, é fundamental. É a melhor escola. Evitar o sofrimento é estagnar a alma e os horizontes, é não crescer, é mergulhar na imbecilidade escura da ignorância. O que nos condena, amigos, fechando o raciocínio, é que andamos a querer fazer escolhas evitando o sofrimento. E o pior é que não só compramos esta ideia como a vendemos aos nossos filhos, às gerações vindouras. Sofram, amigos, sofram. E aprendam com o sofrimento a vida que mais escola nenhuma pode ensinar-vos. E escolham. Optem. Sim, é difícil. Mas não há sensação mais extraordinária do que a completude, a integridade e a realização que sentimos quando assumimos uma escolha.

As ideias e as opções com elas são a única coisa que é genuína e intrinsecamente nosso. Tudo o resto é lixo. São diversões com que a vida nos tenta distrair. Um homem que morre por um império, morre por nada. E pode ter havido nobreza nisso. Um homem que morre por uma ideia, morre pela única coisa por que, efectivamente, vale a pena morrer. Morre por toda a Humanidade. Um homem que morre por uma ideia, não morre!

Qual a ideia?
Cada um tem a sua. De resto, isso é matéria para outra conversa.
Mas, voltemos à questão inicial: quanto tempo tem uma vida? O tempo de uma ideia.
jpv

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