O Clã do Comboio - A Invasão

A Invasão

Saída tardia do trabalho. Já só foi possível apanhar o regional das 20:48. Em casa, só lá para as 23h. A viagem decorria com normalidade. À minha frente um jovem a ouvir música com headphones. O som ia num volume tal que era quase como se os não tivesse. Não é que não me incomodasse um pouco, mas deixei-o curtir o seu som em paz. Para mim, a paz dos outros também é importante. Mais à esquerda, um senhor nos seus setenta e muitos, fato de fazenda verde-água, camisa branca e gravata em verde seco, um pouco mais escuro que o fato. A contrastar com o seu vetusto aspecto, uns headphones. Não se ouvia nenhum som, mas o velhote cantarolava um fado da Amália a pulmões cheios sem a consciência de que ia a cantar para nós e não para o universo dos seus tímpanos. Comoveu-me a coragem dele para se adaptar às tecnologias. Mp3, música em suporte digital, headphones, botões para dominar... por Amália vale tudo. Decidi não ir ao blogue dele criticá-lo. Em primeiro lugar porque não sei se tem blogue, não tenho essa sorte. Depois e mais importante, porque a felicidade dele, o seu direito à Amália, também são importantes para mim. Mas, como os leitores já vão sabendo, eu sou um tipo esquisito.

Ia entretendo a alma nestes pormenores tardios quando reparei num estranho, sequencial, crescente, pormenor. Pormenor a princípio, com o passar dos minutos ficou bem evidente!

Uma pessoa levantou a mão e deu uma chapada em si mesma. À volta olharam como se ela não batesse bem. Mas, um dos que olhou, passado um pouco, deu uma palmada na perna. Mais ao fundo, um homem deu com o jornal na parede lateral do comboio, depois uma rapariga agarrou num caderno e deu com ele nas costas de um banco, depois, por toda a carruagem, os passageiros tentavam afanosamente e com tudo o que tinham à mão matar... melgas! Uma nuvem delas invadira o comboio.

Quando o picas passou, perguntei:
- Então o que é que foi isto?
- Foi uma invasão de melgas. Nos dias em que não há vento, quando paramos ali em Alverca e abrimos as portas, elas entram num repente. Não há nada a fazer. Só se não abríssemos as portas e se houvesse alguém para entrar, então abriam-se. Mas não se pode. São as regras.
Ao fundo, um homem ainda disse:
- A CP devia fornecer insecticida.
O revisor riu-se e respondeu:
- Só se fosse um extintor de insecticida...
E eu pensei cá para comigo e com o meu cansaço:
- É melhor não, é melhor não...

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