O Clã do Comboio - O Eterno Conflito

O Eterno Conflito

É difícil escrever sobre quase nada. Mas quase nada pode ser muito. Perdoem-me se esta história do Clã parecer difusa e confusa. Não pretende sê-lo. Será só a vida que às vezes é confusa e difusa. Nem sei se isto é uma história. Talvez não. É só o relato de um conflito antigo com gente nova.

Regional das 20:48, de regresso a casa. Entra um casal jovem. Eram namorados. Ele de calça de ganga azul, pólo verde seco, cabelo muito curto, sapatos práticos. Ela de sandálias abertas, unhas dos pés pintadas de encarnado, calças de ganga preta, muito justas, uma blusa encarnada com folhos e o cabelo liso sobre os ombros.

Sentaram-se de frente um para o outro e algo não estava bem. Ora trocavam palavras atenciosas e envoltas em carinho, ora resmungavam desentendidos acerca duma opção dele que a prejudicara a ela. O problema é que pareciam não concordar em relação ao facto de ele a ter consultado ou não. Ele dizia que sim. Ela dizia que não... que talvez... mas em todo o caso achava que ele devia ter decidido de forma oposta.

Não me interessou o conteúdo. Interessou-me o jogo. O desentendimento em si naquilo que foram os comportamentos de um e de outro. Ele era claramente acusado de ser pouco compreensivo, pouco atencioso para com os problemas dela, muito focado em si e nada preocupado com eles enquanto casal. Um insensível. Ela foi acusada de ser hiper-sensível, de estar a exagerar a propósito de quase nada, de o recriminar. Ele queria que continuassem bem, que passassem ao lado daquilo. Ela queria que assumissem que não estava tudo bem, que analisassem o problema. E neste jogo de medição de muitas coisas, entre elas, forças, algo fez a diferença e não teve nada a ver com as palavras, argumentos ou sentimentos. Foi a postura física!

Ela ia sentada, encostada às costas do banco e nunca se desencostou. Levava as pernas encolhidas para trás e nunca as desencolheu. Ele ia de pernas abertas e esticadas para a frente por fora das dela e mexia-se muito. Ora se chegava para trás, ora se projectava para ela e punha-lhe as mãos nas pernas e na face e puxava-lhe a cabeça para lhe beijar os lábios quando ela falava. Ela foi passiva. Ele foi proactivo. Invasivo. Ela nunca usou a força, nem para marcar o espaço. Ele usou-a para o marcar e para a puxar para si.

As razões que os moviam não me interessaram. Interessou-me o jogo. E o resultado. Quando saíram do comboio iam abraçados e aos beijos e tudo estava bem. Uma falácia imposta, mas não conquistada. Um problema adiado. Um homem. Uma mulher. Um conflito eterno.

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