O Clã do Comboio - Um Mundo à Parte

Um Mundo à Parte

Era um comboio de fim de tarde com o sol a amarelecer os vidros. O comboio circulava ensonado e repetitivo nos ruídos das engrenagens. Estava só. Mais ninguém do Clã.

Ela viajava um pouco mais à frente. Tinha um vestido de pano cor-de-roda escuro com muitas flores que não eram estampadas, mas desenhadas com linhas. Por cima dos ombros um pano de tule aos folhos também cor-de-rosa escuro. O cabelo era loiro, às madeixas, por cima dos ombros e tinha um gancho de lado que lhe dava um ar infantil.

Quando chegámos ao Setil, uma senhora cega agarrou na vareta e deslizou para a porta de saída. Quando passou, ela disse bem alto:
- Eh pá ias aí e não dizias nada. Não te vi.

A cega continuou sem responder. Saiu. O comboio arrancou. Ela virou-se de frente para o vidro do comboio, fixou o seu próprio reflexo e falou para ele:
- Eh pá, nem vi que ela ia ali.
- Pois... eu também não.
- Conhecezia?
- Eu não, e tu?
- Eu também não.

Quando terminou de falar com o seu próprio reflexo no vidro do comboio, virou-se para a frente e não voltou a dizer uma palavra até ao Entroncamento. Um mundo à parte!

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