O Clã do Comboio - Elegia para um Aniversário

Elegia para um Aniversário

Eu tenho uma particularidade. Quer dizer, hei de ter várias, esta é a que invoco hoje. Independentemente da fase da vida em que me encontre, das alegrias, das tristezas, das facilidades e das dificuldades, encaro todos os dias como uma promessa de vida, uma esperança renovada, um crer intrínseco de que algo de bom me vai acontecer nesse dia. Eu sou assim todos os dias.
No dia do meu aniversário, o sentimento é igualzinho, crescem um pouco a expectativa e a esperança, mas na essência, o sentimento é o mesmo.

Quando cheguei à estação de caminho de ferro do Entroncamento, era noite ainda. Estava calor. Por trás do fresco da manhã que se anunciava, despertava a canícula do verão em outubro. Esperei sossegado junto ao relógio e, pouco depois, foram chegando os companheiros de viagem. O Rapaz do Fato Cinzento, que está de férias, apareceu também. Inventou uma desculpa para ir a Lisboa e veio ajudar à festa de anos do Escritor. Eu sei que era uma desculpa porque bailava nos olhos dele uma genuína satisfação. A de contribuir. Beijos, abraços e saudações. Em Santarém entrou a Senhora da Revista de Culinária e, misteriosamente, o Rapaz do Fato Cinzento enfiou-se na casa-de-banho de onde surgiria pouco depois com bolo de chocolate negro e branco, cortado aos pedacinhos, os brownies. Diversas sombrinhas de papel vinham espetadas nos deliciosos pedacinhos de bolo e uma vela com um 4 orgulhoso luzia trémula e feliz. Cantaram-se ruidosos "Parabéns a Você", distribuiu-se em copinhos de plástico, um aromático chá de ervas que a Rapariga do Riso Fácil trouxe aquecido num termo. Houve palmas e urras, um discurso breve e emocionado do Escritor e a Rapariga do Riso Fácil a comer brownies e a repetir vezes sem conta, Deliro com os teus brownies! O Senhor da Mala Térmica resolveu aparecer neste dia, acho que não foi coincidência inocente, e trouxe o seu inevitável jornal, o sorriso largo e acolhedor e, claro, para marcar o evento deixou cair um brownie e, na ânsia de o apanhar, entornou o chá pelo chão. A malta rebentou numa gargalhada. Seguiram-se felicitações, abraços e beijos, piadas enviesadas de fazer corar a Rapariga com Brinco de Pérola que continua a desabrochar e a corar. É um dois em um! Tentou ensinar-nos mais algum francês decente em troca de português indecente. Por fim, obrigaram o Escritor a apagar a vela três vezes. Ele não estava farto de a apagar, mas acho que ela estava farta de ser apagada. Da última vez tentou apagar a vela da forma mais erótica possível enquanto a Rapariga com Brinco de Pérola e a PL tiravam fotos. E claro que a mala térmica fez o inevitável papel de mesa enquanto, a bordo do interregional das 7:18, o Clã do Comboio se divertia solidário. Desta vez, o pretexto foi o aniversário do Escritor, mas poderia ter sido outro qualquer.

E houve um presente. Um caderninho para o Escritor escrever. E ele fez uma promessa que está a cumprir neste preciso momento: usar o caderno para escrever mais uma história do Clã do Comboio. Por fim, foram a votos para ver quem ficava com o resto dos brownies. As gulosas premiadas foram a Rapariga do Riso Fácil e a PL.

Sucedeu-se, então, o inusitado. Com o saco do presente e os papéis dos diversos embrulhos do presente e da comida, o Rapaz do Fato Cinzento improvisou uma bola e o Clã, quer acreditem, quer não, foi até Santa Apolónia a jogar à bola! Uma espécie de vólei de comboio improvisado com os trapos dos tempos modernos. Sem regras, só com a diversão do toma lá e não deixes cair. Até a Senhora da Provecta Idade jogou! Houve passes arrojados, momentos irrequietos, gargalhadas cristalinas, adultos no auge da infância que é a melhor idade. A idade que todos devemos preservar. A idade que um de nós celebrava nesse momento. E não estava só!

NetWorkedBlogs