Herança

Ultimamente, ouve-se muito falar em genética e em código genético, mais em particular. E depois aparecem sempre uns senhores com uns gráficos muito complicados a mostrar como é o código genético e há outros, de bata branca, que colocam um cotonete na boca das pessoas para analisarem o dito. E tudo isto é muito científico, tudo isto é muito exato e tudo isto falha com uma facilidade confrangedora.

O meu pai, que é o meu herói e o meu ídolo e o homem cujas passadas tendo seguir com o insucesso simples, básico e admitido de não ser eu tanto homem quanto ele foi, tinha um código genético, como todos nós. Acontece, e esta é a particularidade deste texto, que o código genético do meu pai está vivo e a comprovação deste facto não carece de microscópio, nem tubo de ensaio, nem raio laser. Pode ser feita à vista desarmada.

O código genético do meu pai vive no meu Tio Toneca, seu irmão mais novo, o mais novo de três, de resto. O meu Tio Toneca é desses raros seres humanos cujo traço mais evidente do caráter é a afabilidade. Como diziam do meu pai, dizem dele: "O senhor Videira é muito simpático." E é! É um homem predisposto ao entendimento, ao acordo, a agir sempre pelo bem e pelo caminho da luz. É um homem que nos abre um sorriso, estende um aperto de mão e nos estreita entre os braços e diz como se a vida toda dependesse da resposta a essa pergunta, Então rapaz, está tudo bem contigo?

Gosta de nos receber e recebe sempre com entusiasmo e um enternecedor sentido de partilha. Há muito tempo, já, que tenho por este tio, do lado paterno da família, um carinho muito grande. Mas foi depois do falecimento do meu pai que eu me apercebi com maior intensidade da herança do código genético. Na altura pensei que era eu o seu herdeiro. Mas não sou. Talvez venha a ser um dia. Por enquanto, o Tio Toneca é o seu fiel depositário. É com ele que está o sentido de justiça e preservação, o espírito de família, a generosidade  do ser. Por vezes, brincamos com ele por ser baixinho, sobretudo ao lado da Tia Hilda, sua improvável, mas consistente e intrépida companheira de mais de 50 anos e ele remata sempre com o aforismo popular "Os homens não se medem aos palmos!". E não! A sua estatura humana é inexcedível e à vista desarmada, sem outros instrumentos de medição, se percebe que habita no Tio Toneca o código genético do meu pai. E, de tudo o que podia dizer-lhe para felicitá-lo, hoje, porque faz anos, esta constatação é a mais preciosa das felicitações, o mais valioso dos tesouros.

jpv

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