O Clã do Comboio - Agitação de Fim de Ano


O Clã do Comboio - Agitação de Fim de Ano

Memória Justificativa
Um dia destes, um leitor do Blogue perguntou-me, Então o Clã desapareceu? É que deixaste de escrever as histórias do Clã que é o que eu mais gosto no teu blogue...
Ao mesmo tempo, tenho recebido imensos e-mails a perguntar o que aconteceu ao Clã. Ora, no âmbito desta relação próxima e direta que desenvolvo com os leitores de Mails para a minha Irmã, é importante informar que o Clã do Comboio está fantástico, ao rubro, a destilar companheirismo e amizade todos os dias e é por isso que tenho escrito menos. Parece contraditório, mas não é. A verdade é que passamos tanto tempo na conversa e na brincadeira, as conversas estão de tal forma interessantes e os elementos do Clã de tal forma ativos, que me escapa o tempo para o relato das aventuras. Hoje decidi fazê-lo porque há várias coisas que tenho de vos contar. Uma delas é que há uma personagem nova no Clã do Comboio. Comecemos por aí.

A Senhora das Caralhotas
Tem 25 anos. É alta. Casada com um homem mais baixo, mas, como ela esclareceu, muito cumpridor das suas tarefas e deveres. Todos! Tem o cabelo liso e castanho, por cima dos ombros, uma ossatura larga e sólida, a face oblonga donde sobressaem os olhos vivos e atentos, a não deixar escapar nada, os lábios finos e recortados, o sorriso malandro a antecipar uma intervenção arrojada, a gargalhada sonora e aberta, de encher a carruagem. Mas o seu principal traço não é nenhum desses. É a língua! Tem a resposta mais rápida e incisiva que eu alguma vez vi e é absolutamente contundente, mesmo quando inclui malandrice. Sobretudo se inclui malandrice! É de Almeirim onde há um pão caseiro e tradicional que se chama caralhota. E pronto. Não foi preciso mais para o Rapaz do Fato Cinzento a batizar de Senhora das Caralhotas. Ainda não estava o ato do batismo concluído, já ela contava:
      - Uma vez entrou lá na padaria de Almeirim uma senhora e pediu três pichotas!
Silêncio geral.
      - Perceberam? Caralhotas... Pichotas...
      - Percebemos, percebemos...
E percebemos também que com a Senhora das Caralhotas não se brinca. Ela leva a brincadeira para lá do impensável, mas fá-lo com naturalidade e soltando sempre uma gargalhada cristalina e inaugural. Um dia destes, o Rapaz do Fato Cinzento estava a contar pela enésima vez a anedota do Pica Miolos, pica, pica, que até chegares aos miolos... E ela corrigiu:
      - Isso está ultrapassado, agora diz-se "Era até achar pitrol"
      - Então e não poderia haver problemas de pele? Umas assaduras...
      - Naaa... nem que se gastasse um frasco inteiro de Halibut!
O Rapaz do Fato Cinzento engavetou, calou-se e passou a não se meter muito com ela...
As histórias da Senhora das Caralhotas sucederam-se arrancando-nos gargalhadas e silêncios com a mesma facilidade e frequência até que um dia, num momento mais a sério, ela disse:
      - Sabem, eu sou assim extrovertida, mas só conheci um homem na minha vida.
E eu fiquei a pensar naquele tesouro. Naquela pureza e naquela espontaneidade. De facto, já nem se usa a expressão "conhecer um homem" com o sentido que ela lhe deu, quanto mais usá-la em razão direta de um facto... E foi nesse dia que ela nos caiu definitivamente em graça. Sempre com cuidado porque aquela língua pode disparar mais rápido do que a própria sombra e em qualquer direção! Gosto muito de a ouvir dizer "Arretalhava-te todo!" Ela carrega nos erres de uma forma que a expressão, sendo do universo das azeitonas, fica indubitavelmente libidinosa. É um tesouro, a Senhora das Caralhotas. E, ou me engano muito, ou ainda vai animar bastante este Clã.

Caralhota ao Pequeno-Almoço
Um belo dia, começámos a provocar a Senhora das Caralhotas e a Senhora da Revista de Culinária, que também é de Almeirim, dizendo-lhes que nunca mais provávamos a caralhota delas. No dia seguinte apareceu uma caralhota no comboio. É um pão denso, cozido em forno de lenha, com o tamanho de um papo-seco mas mais alto. Dividiu-se irmãmente, derramou-se a farinha pelos colos dos convivas e não sobrou nada. E agora já podemos dizer que comemos uma caralhota de Almeirim no Interregional das 7:18.

Pequeno-Almoço de Natal
O Rapaz do Fato Cinzento deu a ideia:
      - Olhem lá, não precisamos de um aniversário para fazer um petisco. Estamos no Natal, a Senhora da Provecta Idade vai de férias, e que tal se fizéssemos um pequeno-almoço de Natal?
Não perguntou duas vezes. Ele próprio trouxe pão de cereais e fiambre, o Escritor levou tarte de amêndoas e compota de maçã, a Rapariga do Riso Fácil levou um chá quentinho que até aqueceu a alma, a Senhora da Revista de Culinária levou bolo de chocolate e a Senhora das Caralhotas levou um fantástico vinho abafado. Eram 7:45 da manhã quando o festim começou mesmo sem mala térmica a fazer de mesa. Fizemos rodar os alimentos e fomos comendo e bebendo nos copinhos de plástico que a Senhora da Revista de Culinária levou. O evento estendeu-se quase até Lisboa e quando saímos do comboio, garanto-vos, era sobretudo a alma que ia quente, mas não só. Boa malha!

O Rossio Tem Mais Encanto
A PL, que agora vive em Lisboa, queria ver-nos. E nós a ela. E fazia falta um evento, uma aventura que marcasse a época natalícia. Combinámos uma ginginha no Rossio ao fim da tarde. Foi épico. O Rossio ficou com mais encanto. A coisa seria depois do trabalho. Apanharíamos um comboio uma hora mais tarde que o habitual e, nesse espaço de tempo, daríamos uma escapadinha ao Rossio para beber uma com elas! O problema é que não foi uma! Apareceu a PL e a sua amiga Vê. A Vê é uma jovem elegante e bonita, com uma voz deliciosamente rouca a fazer lembrar a Patrícia do Altino do Tojal, e cujo principal desafio foi conhecer, adaptar-se e aturar o Clã no mesmo dia. Na mesma hora! E conseguiu. Integrou-se perfeitamente, fez a festa connosco e acho que nunca se vai esquecer de nós, nem nós dela. Além delas apareceu a Rapariga do Riso Fácil, a Rapariga com Brinco de Pérola, a Senhora da Revista de Culinária, o Rapaz do Fato Cinzento e o Escritor. Ora, contas feitas à vida, éramos 7. Cada um pagou uma rodada. Sempre com elas e sempre a pedir ao senhor, Ponha lá aí mais uma bolinha fachavôr!
Soprámos o bafo no frio da noite, fizemos uma roda em volta de nada e desse tudo que é a nossa comunhão, conversámos, rimos, contámos histórias, houve quem desse a ginginha à boca de outrem e, às tantas, o Rapaz do Fato Cinzento começou a dizer que tinha uns excelentes abdominais e duas covinhas que levavam ao paraíso. A Vê, que não o conhecia, provocou-o, Não és capaz de mostrar isso... Ele não esteve com meias medidas, desapertou o casaco e a camisa e exibiu os seus abdominais em pleno Rossio. Os olhos da Vê brilhavam de surpresa e encanto. A rapariga do Riso Fácil abraçou-se à PL assim como quem quer matar as saudades todas de uma vez. Corremos para o Metro abraçados e a falar alto, na plataforma do Metro, sem música (!!!), o Escritor começou a dançar com a PL e o Rapaz do Fato Cinzento com a Rapariga do Brinco de Pérola. Terminámos com um agradecimento em vénia aos presentes que, pelo menos nas nossas cabeças, aplaudiam entusiasticamente. Foi um final de dia absolutamente épico. Entrámos no Metro e sentámo-nos ao colo uns dos outros, seguimos a correr para o comboio onde nos despedimos efusivamente da PL e fomos a conversar animadamente até ao destino. Saiu a Vê em Alverca, a Senhora da Revista de Culinária em Santarém e, no Entroncamento, a Rapariga com Brinco de Pérola apanhou a sua boleia. O Rapaz do Fato Cinzento, a Rapariga do Riso Fácil e o Escritor ficaram a fazer o balanço. Sim, foi uma loucura. Mas uma loucura sã que dá sentido à nossa efémera existência. Foi mais um fantástico momento do Clã do Comboio.

Nota Final
A chegada da Quadra Natalícia e o Final do Ano costumam trazer consigo o enfatizar do sentimento de solidariedade entre os homens. Neste caso, e mais uma vez, o Clã do Comboio enfatizou-o sem precisar de "ajuda externa". Está em agitação de fim de ano, o Clã, que é a mesma agitação que tem ao longo do ano inteiro. Esta será a última história deste grupo de amigos no ano de 2011. Por isso, aproveito para lhes agradecer todas as partilhas, toda a generosidade, todos os momentos inolvidáveis e aproveito, também, para lhes desejar um novo ano repleto de emoções fortes, de alegrias, de felicidade, de... viagens de comboio!

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