O Clã do Comboio - Scalabis Impromptu

Scalabis Impromptu

A manhã estava perfeita. suficientemente fria para sugerir a necessidade de nos acolhermos estando juntos, esfregando as mãos à frente do bafo soprado e, ao mesmo tempo, de um sol cristalino a iluminar a paisagem ampla da lezíria.

No último jantar do Clã, a Rapariga com Brinco de Pérola mostrou vontade de conhecer Santarém e isso foi o que bastou para se combinar o passeio. Incluiria almoço, claro está e está claro seria organizado pelos escalabitanos do Clã.

Encontrámo-nos no Mirador do Liceu com a esplendorosa lezíria atravessada pela prata do Tejo serpenteando a paisagem. Aí se juntaram o VM que fora buscar à estação de caminho-de-ferro a Rapariga do Riso Fácil, O Rapaz do Fato Cinzento e a Rapariga com Brinco de Pérola que trouxe seu gentil e meigo filhote. A Senhora da Revista de Culinária e sua belíssima filhota, o Escritor e sua mulher. Olhares esperançosos num dia feliz, palavras a acordar a manhã, as primeiras fotos, folhas secas jogadas ao ar a arriscar uma fotografia diferente, algumas graçolas, sobretudo o VM contando suas aventuras da juventude, tempos saudosos de quando as traquinices e a irreverência faziam parte do nosso quotidiano.

Visitámos depois a Igreja de Santa Clara onde o VM chamou poço a uma cisterna com correcção imediata e limpa da Mulher do Escritor e onde o nosso anfitrião queria, por força, que a rosácea estivesse do lado oposto àquele em que efetivamente estava. Risos e mais fotos, algumas de fino recorte artístico... E marchámos para o Convento de São Francisco e seus claustros onde discutimos doutamente a proveniência da pedra... muita ciência! E rumámos ao Mercado Municipal onde apreciámos os azulejos e cujo característico interior visitámos. Seguiu-se a Igreja da Piedade e depois a Igreja do Seminário onde a Senhora da Revista de Culinária tirou fotos a uma senhora pequenina e rechonchuda, de saia curta, que andava empoleirada no altar! Para o limpar, bem entendido! As conversas sucediam-se e o clima começava a animar até que chegou o momento de visitar o monumento escalabitano preferido do nosso amigo VM: a Pastelaria Bijou. Cafés, chás, águas, sumos e os famosos pampilhos. De facto, dos melhores que já provei, macios e fresquíssimos. Quisemos partilhar a despesa mas o VM insistiu pelo menos UMA vez que fazia questão e nós agradecemos o gesto. Pequeno-almoço à pato, portanto.

Pudemos ainda visitar a Igreja da São João do Alporão e subir à Torre das Cabaças onde, para além do esplêndido mecanismo do relógio, se pode observar toda a cidade e uma ampla paisagem ribatejana.

Nas Portas do Sol, as crianças correram, o sol voltou a banhar-nos a vista e a alma e a provocar-nos a imaginação. A Rapariga do Riso Fácil subiu às ameias onde a fotografei com a Senhora da Revista de Culinária numa pose cúmplice e feliz e, finalmente, juntou-se a nós o JJ que nos surpreendeu com todo o conhecimento que tem da cidade. Ele conhece cada recanto, sabe a sua história e conta-a com raro entusiasmo. A cidade de Santarém fica mais bonita pela mão do JJ. Foi ele que nos levou à Porta da Cidade, a única que pode observar-se nos dias de hoje.

As almas estavam entusiasmadas e os corpos cansados quando chegámos à Taberna do Quinzena para almoçar. Começámos por volta das 13h e estivemos almoçando durante quase quatro horas. O importante não foi o que se comeu, foi o clima divertido e jocoso de quem aprecia estar à volta de uma mesa partilhando uma refeição e, mais do que isso, a companhia e a conversa. Juntaram-se a nós a Mulher do VM, o RB e a Mulher do RB e também a Mulher do JJ. Espetada de lulas, naco de novilho, lombinhos de porco e outras iguarias regadas com vinho da pipa num fantástico e típico ambiente no coração do Ribatejo. O senhor que nos serviu percebeu o clima e também ele contribuiu para o bom ambiente que ali se viveu. A determinada altura, ele o Rapaz do Fato Cinzento deram uma palmada na mão um do outro, um five, para comemorar uma qualquer sintonia. O Escritor atacou, Ó chefe, isso é um bocado abichanado. E ele respondeu sem papas na língua, Sim, irmão! Gargalhada geral. Um dos momentos altos da tarde foi quando o Rapaz do Fato Cinzento nos falou de certos sabonetes com odor a amêndoa, a chocolate, a morango, que têm a particularidade de se derreterem em contacto com a pele por efeito do calor desta. Estava ele a dizer que também os havia com odor a chocolate de leite quando o VM o interrompeu, Para que é preciso o lei... e já não disse mais nada porque a Mulher do VM virou-se para ele e com o olhar muito vivo disse, Cala-te que isto interessa-me! E eu acrescento, Já sabes VM, estamos a chegar ao Natal... É então que a Rapariga do Riso Fácil saca de uma latinha de vaselina com cheiro a baunilha e diz, Não sei para que é preciso tanta coisa, a vaselina também serve. O VM quis tirar o assunto a limpo e besuntou os lábios com a vaselina da Rapariga do Riso Fácil. Ficou escorregadio. Depois queria comer as lulas e elas escapavam-lhe... Não sei a que propósito (!!!), ouvimos aqui uma bizarra narrativa que envolvia preservativos fluorescentes em forma de Asterix! Delicioso! Iniciou-se, por fim, uma épica sessão de brindes. Trouxeram um cesto com garrafinhas de bebidas espirituosas, aguardente, licor de poejo, licor de café e ginginha. Que eu tivesse reparado, mas não é de fiar, esgotou-se o poejo e o licor de café sendo que as outras ficaram muito arrombadas. Juntamente com as garrafas vieram uns copinhos pequeninos que se bebiam de uma vez só. Brindámos ao Clã e a cada um dos elementos do Clã e aos familiares dos elementos do Clã e à Taberna do Quinzena e quando já não havia mais ninguém, começámos a brindar às pessoas das outras mesas que se levantavam e vinham brindar connosco. Ainda me lembro do VM ter perguntado à sua mulher, De qual é que queres? E ela respondeu prontamente, Tanto faz, já me sabem todos ao mesmo! Vi a Rapariga com Brinco de Pérola rir desalmadamente e vi a Senhora da Revista de Culinária ir às lágrimas. O JJ tentou manter a compostura, mas foi do lado dele que morreu a primeira garrafinha. Paz à sua alma!

O RB estava muito sossegado. E nós a estranhar. Vai daí, a Mulher do RB teve de sair. Acho que foi para um workshop. Foi então que, vá-se lá saber porquê, ele se libertou e nos explicou tudo acerca da biga dominicana e do cialis. Em espanhol da Argentina! Ele até sabe a posologia!

Enfim, quando Clã saiu da Taberna do Quinzena, o ar frio da tarde foi bem recebido, as almas iam lavadas pelo riso, a companhia fora fantástica e haviam-se vivido momentos de memorável partilha e boa disposição. Como sempre.

Ainda houve tempo para se visitar a Igreja de São Nicolau, a Igreja do Milagre e a fantástica Igreja da Graça onde conhecemos a dona Antónia Lança que recitou um poema que ela própria escreveu entre as paredes da igreja e nos contou histórias do seu avô alentejano. O Rapaz do Fato Cinzento arriscou, Nós temos um blogue, mas se calhar não tem Internet. E a dona Antónia Lança arrumou a questão do alto da sua juventude de sessenta e muitos, Não tenho? Claro que tenho. E eu podia lá viver sem o e-mail e o Facebook?! Fui verificar e tem mesmo página no FB. Bem interessante, de resto. Mora aqui:

Fizemos várias fotos de grupo e uma delas, em homenagem ao JJ, foi tirada à porta da loja da Bimby!

Todos ficámos a conhecer melhor Santarém, a Capital do Gótico, que tem pouca coisa de estilo Manuelino. É só rua sim, rua sim!

O Clã é assim como um impromptu: improvisado, mas harmonioso. Construímos a nossa própria sinfonia de estar. Cada um dá só aquilo que é e assim é aceite pelos outros. Sempre em inclusão, sempre em acréscimo ao todo que somos, improvisado e harmonioso. E a amizade vicia. Provoca habituação. Nos dias que se seguiram à nossa aventura, claro que a recordámos com prazer, mas começámos de imediato a planear a próxima...



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