A DÚVIDA - CAPÍTULO X


É patético.           
Ainda me lembro dos tempos em que virmos juntos ao cinema era um evento. A escolha do filme, as pipocas, a Coca-Cola, as mãos dadas durante a sessão, as conversas sobre o filme. Era interessante. Agora, é só patético. Sinto-me mal. Sei que ela se sente mal. Estamos ambos desconfortáveis. Ambos a tentar. Ambos por sacrifício e não pelo prazer de estarmos juntos. É claro que um filme sobre casais que se separam também não ajuda, mas escolhi-o de propósito a ver se ela percebia a mensagem. A ver se percebia que, quando lhe falei em divórcio, não era uma ameaça ou uma daquelas coisas que se diz para não fazer. Nem sequer estou a seguir a história no grande ecrã. Ela também não. Acho que está a chorar e não é por causa do filme. Tudo isto é desnecessário. Desnecessário e patético.

Temos falado imenso ultimamente, mas a verdade é que se tem dito pouco ou, pelo menos, avançado pouco. São conversas exaustivas e extenuantes onde comparamos comportamentos, fazemos um balanço da relação, a contabilidade dos afetos e da dedicação e, no fim, cada um volta ao seu ponto de partida e está pouco disponível para abandoná-lo. É uma tentativa desesperada de procurarmos um compromisso, mas a dúvida permanece. Acho que ela nunca mais confiará em mim, nunca mais superará a mágoa que me tem. E acho que sinto por ela coisas semelhantes. É tudo tão difícil. Sinto algum desprendimento da parte dela. Não digo que não me ame. Acho que ama, caso contrário, que sentido faria esta ideia da viagem a Roma? Mas também acho que a sinto preparada para tudo. É como se tivesse desistido depois da luta por cansaço. Vejo-lhe isso nos olhos. Sinto-lhe isso nas palavras.

Tentarei retomar a nossa harmonia nesta viagem, mas é como se tudo fosse feito em esforço, é como se partisse para uma corrida sabendo que ia perder. Isto não vai resultar. Porque ela não quer. O que ela quer é dar-me uma oportunidade para eu mudar. Porque eu não quero. Não sinto alegria nem felicidade neste casamento. É como se continuar casado representasse um prolongar da dor.

Eu gosto da Bela. Detesto vê-la sofrer. Detesto vê-la fragilizada. Tenho pena dela, mas acho que a pena é a última das razões por que se deve estar com uma pessoa. E é por isso que nada disto faz sentido. Vou cancelar a viagem. Nós precisamos de resolver os nossos problemas, não de adiá-los. Por mais que me doa, esta relação terminou. Nem mesmo esta vinda ao cinema tem qualquer nexo:

- Olha Bela, eu acho que não estamos aqui a fazer nada senão a enganarmo-nos. Eu vou-me embora. Queres vir? Acho que era o melhor para ambos…

NetWorkedBlogs