O Clã do Comboio - Carta ao Clã



Carta ao Clã


Caros Amigos,

Quando comecei a viajar regularmente de comboio, há 16 meses atrás, não pensei, nunca, que num tão curto espaço de tempo a humanidade que há em nós pudesse frutificar tão intensos momentos de partilha e amizade.

O Clã do Comboio, nos primeiros textos que escrevi, começou por ser um universo vasto de gente que abrangia qualquer pessoa com quem me cruzasse no comboio e constituísse motivo de escrita. Com o tempo, esse universo foi-se circunscrevendo àqueles que se cruzavam comigo com mais frequência e que comigo iam conversando e, pouco depois, estava estabelecido um grupo de viajantes, amigos e companheiros que, com regularidade, de manhã e à tarde, partilhavam o mesmo comboio, a mesma carruagem, o mesmo espaço de conversas, de teorias, de brincadeiras, de momentos sérios. Foi tudo muito rápido e tudo aconteceu num extraordinário clima de confiança. E, a partir de vós, comecei a desenhar personagens inspiradas e os nomes delas bailaram na forma como nos tratávamos quando estávamos uns com os outros. E à volta desses textos foi crescendo a nossa cumplicidade. Depois, sucederam-se os eventos. Os almoços, os jantares, os coiratos, as ginginhas, os cafezinhos, os pequenos-almoços a bordo, as celebrações de aniversário e aquelas vezes em que fizemos pique-nique no comboio só porque sim.

O mais interessante nisto tudo é que este grupo espontâneo de companheiros de viagem nunca excluiu ninguém que quisesse juntar-se a ele nem nunca obrigou ninguém a viajar consigo. Mesmo entre nós, foi sempre claro que era fantástico estarmos juntos, mas que isso não constituía uma obrigação e sempre que alguém precisava ou queria, podia, simplesmente, afastar-se. E penso até que uma das forças do Clã foi, e é, essa união na liberdade, essa continuidade na espontaneidade. 

Ao longo deste tempo passaram pelo Clã do Comboio quase trinta pessoas. Umas foram ficando, outras foram saindo, outras foram aparecendo pontualmente.

Coube-me, agora, a mim, a vez de mudar de hábitos. Não sem pena de o fazer. Não sem dor. Não sem saudade. O Clã do Comboio faz-me falta todos os dias, os dias todos. Pelo meu próprio temperamento comunicativo e expressivo, afeiçoo-me com facilidade às pessoas, sobretudo, àquelas com que convivo diariamente como era o vosso caso.

Acontece que o facto de o nosso interregional ter começado a sair mais cedo, às 7:05, fez-me começar a pensar numa mudança que cheguei a partilhar com alguns de vós. Saindo às 7:47 de Riachos, descanso mais 1:15 por noite, poupo imensos quilómetros, poupo estacionamento, o próprio estacionamento é mais confortável porque junto à estação, poupo no valor da assinatura (sim, há uma combinação que é possível e muito atraente), enfim, há uma inegável melhoria na minha qualidade de vida. Isto traz duas desvantagens. Só posso andar em regionais e perco a vossa companhia. Sim, só a companhia. A amizade, acredito nunca perderei. De resto, já me apercebi que há outros companheiros a tentar as mesmas poupanças... sim porque eu sei tudo e, afinal de contas, os comboios são muito pequeninos...

É preciso agradecer-vos por todos os momentos, por todas as memoráveis gargalhadas e aventuras, pelo excecional companheirismo que sempre demonstraram para comigo. E é preciso dizer-vos que tenho a humilde e cristalina consciência de que recebi muito mais de vós do que aquilo que consegui dar.

Por fim, um "Até Breve!"
Até breve porque o mundo é pequeno. Até breve porque vou noutro comboio, mas quero ir às patuscadas. Até breve porque, na minha alma e no meu coração, estais sempre comigo.

Escritor

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