História do Dia da Minha Morte

Hoje acordei cedo. E bem disposto. O que é natural, tendo em conta que não sabia que ia morrer. Quero dizer, eu sabia que ia morrer, latu sensu, mas não sabia que morreria hoje.

Chamo-me João Paulo Videira, sou professor, trabalho presentemente na DGAE e sou autor deste blogue que pode bem ser o último lugar onde me verão vivo. A minha vida está em risco. Presa por minutos. Não sei mesmo se acabo de escrever este texto. Não sei quem me ameaça, mas sei que a ameaça é real. Iniludível. E, ou tudo isto é uma farsa, ou dentro de momentos entrarão aqui dois tipos vestidos de preto, com as cabeças tapadas por capuzes negros e cumprirão o que prometeram.

Tomei um pequeno-almoço normal, café e pão com azeitonas que comprámos ontem no Pingo Doce. Acho que não volto a publicar nada a gozar com o Pingo mais Doce do país. Não terei oportunidade. Pela manhã deste enigmático e talvez fatídico dia 11 de junho de 2012, rolei tranquilo no meu Defender de 24 anos, que começa a deixar de ser um carro velho para adquirir o estatuto de clássico, cheguei a Riachos onde estavam as mesmas pessoas de sempre. A rapariga que se vira para o sol, a moça que balança para os lados ao caminhar, o grupo do rapaz alto e cabelo curto e da moça loira, o homem de fato e eu. Entrei na carruagem. Lá estava a D!  Bonita, hoje. Blusa amarela, saia azul com motivos florais e as unhas impecavelmente arranjadas de encarnado. Como tinha carregado o passe no MultiBanco, pedi ao revisor para o verificar. Não estava atualizado. Em Santa Apolónia resolvi o problema. Quando cheguei ao trabalho, a sala estava deserta. Poucos minutos depois entraram a P. e a C. transpirando boa disposição. Traziam um ar ávido de vida e feliz. Ligámos o ar condicionado. Dediquei algum tempo a um parecer e depois ao projeto. E foi quase ao final da manhã que tudo começou. Recebi uma SMS que dizia, simplesmente, "vais morrer!". Guardei-a. Mais tarde, ao revê-las todas, reparei que aquela tinha chegado exatamente às 11:06. só mais tarde percebi que isso tinha um significado. Sejam lá eles quem forem, não deixam nada ao acaso. No momento não dei importância. Achei uma parvoíce. Uma brincadeira de miúdos. Mais tarde, às 12:06, número cuja prova dos nove dá zero, recebi outra SMS:

"Gostas de futebol! Adoras Futebol!
Vamos jogar um joguinho!"

Fiquei perplexo. Tentei ver as propriedades da mensagem. Nada. Não consegui perceber de quem vinha ou de que número vinha.

Exatamente às 14:06 recebi uma outra e essa, sim, deixou-me preocupado. Alguém conhecia o futuro. O futuro próximo. O futuro desta noite ou, pelo menos, diz conhecê-lo. Se for só uma brincadeira, é só uma brincadeira. Se não for só uma brincadeira, é o meu fim. Dizia assim:

"O França-Inglaterra vai terminar 1-1. Multiplica o número total de golos no jogo pela soma dos algarismos das horas a que recebeste esta SMS e terás a hora da tua morte. O primeiro golo do jogo vai ser aos 30 minutos que, somados à hora encontrada darão o momento exato da tua morte."

Fiz as contas. Morreria tarde. Exatamente às 10:30. Faltam alguns momentos somente. Se eles vierem. Tudo pode não passar de uma brincadeira de mau gosto. Tanto assim é que não avisei a polícia nem a família. Limitei-me a escrever este texto. Passei-o para o blogger sem o publicar e agora estou aqui de frente para o monitor com o dedo suspenso sobre a tecla Enter, à espera deles.

Se entrarem por aquela porta, como prometeram, carrego no Enter e esta publicação será o meu último ato enquanto homem vivo. Aguardo. Assustado, mas sereno.

Mais tarde, às 18:12, recebi a penúltima mensagem. Também era extensa:

"Tira a tua família de casa. Caso contrário, não deixaremos testemunhas. Falta saberes o como... mereces: sabres! Morrerás esquartejado por dois sabres japoneses às mãos de dois guerreiros ninja. Não te preocupes, será rápido e absolutamente indolor."

Disse à minha mulher e ao meu filho que queria fazer-lhes uma surpresa e por isso deveriam aguardar por mim em casa da minha cunhada. Despachei-os para sua própria segurança. É onde estão agora. Sinto a falta deles. Sinto-me só. Faz-me mais impressão esta solidão do que propriamente a expectativa da morte.

Os meus últimos pensamentos foram para o meu pai, será que me aguarda? Para a minha mana e para a minha mãe. Voaram mais recentemente para a minha mulher e o meu filho. Sobretudo estes dois... se acontecer o pior sentirei uma falta incomensurável deles! Penso também em alguns amigos e colegas. Pessoas que me marcaram. E estranhamente penso no meu blogue. Estranhamente, não. Afinal de contas, a última SMS tinha a ver com ele:

"Precisas saber porquê! Por tua causa. Não há nenhum motivo senão desprezarmos a tua existência. E porquê? Por causa do teu blogue. Da tua escrita. Tu tens a liberdade dos escritores, das mentes livres, e nós abominamos essa liberdade porque não está ao nosso alcance. Não é a ti que ceifaremos. É à tua liberdade."

E pronto, faltam uns segundos. Acho que consigo acabar o texto. Só já falta colocar uma imagem. Começo a temer que possa ser verdade. Está tudo demasiado tranquilo, demasiado sossega d d ghjklçº~gftiqfeguh l ºçl 


NetWorkedBlogs