O Clã do Comboio - Terra de Ninguém




Terra de Ninguém


Fim de tarde. Viagem animada.
Com a Rapariga do Brinco de Pérola, a Senhora da Revista de Culinária, a Senhora das Caralhotas e o Escritor. A discussão começou com aquela história do bispo argentino que foi fotografado a banhos com uma amiga de infância que afinal era uma amante da meia-idade. Pormenores. O Escritor mais cauteloso e conservador nos juízos, a Senhora da Revista de Culinária, mais resoluta na mudança, apostava na liberalização da instituição do matrimónio e seu alargamento ao guias espirituais. Vai daí, começou-se interessante debate sobre o sentido do celibato, a vocação, a concentração na família espiritual, sem distrações nem perturbações, as perturbações diversas, como sejam, a participação regular em programas de televisão, concertos, eventos, etc e tal e tudo o que não vinha no jornal.

Íamos nesta elevação discursiva quando, em Azambuja, entra a Senhora das Caralhotas e deu uma volta à conversa como só ela sabe. Acabámos a falar da feira da Azambuja e dum tipo em quem ela quis bater nessa feira. Claro que abriu o livro da vida privada de certo padre que ela conhece e sua tendência para participar em eventos pagãos, contar anedotas picantes e, eventualmente, e provavelmente falsa, a sua tendência para chegar tardiamente à Casa do Senhor depois de demorados e fortuitos encontros com as Madalenas deste mundo.

 E foi então que chegámos à Terra de Ninguém. Ali entre Mato de Miranda e Riachos, onde eu saio, a senhora do altifalante anunciou Riachos. O comboio parou e a CP deu mais uma demonstração de como, em pleno século XXI, era das tecnologias e do controlo das nossas vidas ao segundo, a empresa continua a controlar muito pouco e, tirando a simpatia dos seus revisores, a dar mostras de um serviço de qualidade sofrível e questionável. Parou. Olhei pela janela. E a estação que vi foi aquela que a imagem documenta. A Terra de Ninguém. Ninguém entrou. Ninguém saiu. Ninguém estava lá. Nada estava lá, a não ser o caniçal e o mato e o arvoredo ao fundo. E ali ficámos, até que a mesma voz que anunciara Riachos ecoou de novo para dizer que, devido a uma avaria nas linhas, estávamos atrasados. Pois... era óbvio. Devíamos estar a andar. Estávamos parados. O atraso é a consequência natural, física e cronológica expectável.

Volvidos uns minutos, arrancou. Levou-nos a nós e ao atraso. E agora fica-me a curiosidade de verificar se nas próximas viagens paramos entre Mato de Miranda e Riachos nessa bela localidade que a CP serve: a Terra de Ninguém

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