Elas, Eles e os Supermercados


Elas, Eles e os Supermercados

Fábula Antiga de Moralidade Duvidosa

Eu não sou, nunca fui, o tipo de homem que fica em casa enquanto a mulher vai às compras. Não é que me importasse, mas há qualquer coisa em mim que me diz que sou eu que devo acartar os sacos. Este pensamento até pode ser machista, mas quanto a isso, sejamos frontais: é um pensamento honesto e o machismo, na sua versão de cavalheirismo respeitoso, faz muito mais falta do que a igualdade da violência doméstica. Mas não me liguem. Eu sou um tipo esquisito.

Ora, assumindo que o supermercado é um destino para gajos e gajas, há alguns fenómenos sobre os quais importa refletir. E depressa antes que tão importantes pensamentos escapem ao resto da Humanidade, distraída que anda com a crise internacional.

Em primeiro lugar, nós somos mais honestos e pragmáticos na incursão ao supermercado. Eu explico. Se um tipo diz à mulher, Espera aí cinco minutos que eu vou ali ao supermercado buscar seis latas de cerveja, há duas coisas que ela pode ter a certeza. Ele demora mesmo cinco minutos, ou menos, e traz mesmo seis latas de cerveja e só não as trará se a fila da caixa estiver muito longa e o tipo resolver deixá-las no corredor e sair dali depressa que a bola está quase a dar, perdão, a mulher está no carro a esperar. Um homem, quando entra num local desses, leva na cabeça ou, preferencialmente, escrito num papel, o que quer trazer, vai direito às coisas, despeja para um cesto, vai à caixa pagar e sai dali depressinha. Com elas, a coisa funciona de forma ligeiramente diferente. Vejamos, ela diz uma frase mais imprecisa e que pode bem enganar os mais novatos, soa a algo como isto, Vem comigo ali ao supermercado que eu preciso de umas coisitas. Ora, se são só umas coisitas, para que é que nós somos precisos? Ah pois é. Cavalheiros, habituem-se ao seguinte, umas coisitas são dois carros de compras e mais uma esfregona! Os mais batidos, antes de irem perguntam, Precisas do quê? Mas isto não adianta nada por causa do Também me faz jeito. Eu explico outra vez. Ela responde, Ah é só um champô e umas ervilhas. E um homem vai todo lampeiro a julgar que volta daí a dez minutos. Errado! Um champô implica um amaciador que implica tinta para o cabelo que implica umas rodelas de algodão em sacos que parecem da bolacha Maria mas não são que implica pasta dentífrica que implica... duas horas na secção de higiene. E as ervilhas... enfim, quem vai às ervilhas, entra no complexo mundo de abastecer uma cozinha e perdeu a tarde! E porquê? Porque Também me faz jeito!

Ora, isto não é bom para o matrimónio. Por várias razões donde destaco duas. A malta tem de se distrair durante aquelas secas infindáveis e nem sequer podemos reclamar senão levamos com a sacramental frase, Também gastas as coisas, não gastas? Ou, pior ainda, Também vives lá em casa, não vives? Que raio de pergunta! Claro que vivo. Eu sou o tipo que liga a televisão! Então, inventamos passatempos. Ou vamos olhando para as outras compradeiras, tirando medidas, analisando formas e comportamentos ou, para não arranjar chatices porque 99% anda a fazer o mesmo que a nossa mulher, vamos à secção dos vinhos, olhamos para os rótulos, lemos as descrições e tornamo-nos em enólogos de supermercado. Ora, qualquer destes tipos de passatempo pode trazer dissabores ao matrimónio seja porque elas embirram com a ideia da malta olhar para as outras, seja porque acham que ver garrafas de vinho pelo lado de fora faz de nós membros dos AA.

Outra coisa tão engraçada quanto exasperante é a capacidade que as mulheres têm para dizer que duas coisas iguais são diferentes ou mesmo que uma delas é melhor. E fazem teorias. Um exemplo. Se um tipo for ao supermercado buscar uma lata de atum, procura a secção das conservas, dirige-se às latinhas amarelas, agarra na primeira que vê e põe para o carro. Nós sabemos que há lá mais latas da mesma marca e de outras marcas, mas só queremos uma e atum é atum em qualquer parte do mundo. Uma mulher avalia todos os tipos de atum, da consistência à cor, do preço ao número de calorias e consegue saber que há uma lata que é melhor que as outras e mesmo assim, no fim, pode bem decidir-se por sardinhas por causa da consciência ecológica ou animal ou lá o que é porque comer atum parece que faz mal aos golfinhos... não há pachorra!

Eu cá tenho uma teoria de moralidade duvidosa. Um tipo quando vai ao supermercado vai lá com instinto predador. O que lhe resta. Ai é atum? Então seja. E traz atum. Já uma mulher, quando vai ao supermercado, é como se estivesse a cuidar e a proteger a sua prole, como se estivesse a garantir a segurança e a qualidade de vida da sua manada. E então torna-se seletiva e açambarcadora. E é isso que leva tempo. É um bocadinho como aquela história de fazer amor. Para elas implica mesmo amar e distinguem com toda a clareza e pormenor do sexo. Para eles, fazer amor e sexo são duas formas possíveis de nos referirmos à mesma coisa. E não digo qual, caso contrário desvanecia-se a dúvida da moralidade. Ou falta dela!

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