Poema do Menino que Dormia
Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.
Nasci morto.
Cresci cego
E comandado.
E, hoje, não nego,
Morro acomodado
À fuga
Que empreendi.
A vida
Que havia a viver
Fugi.
Perdi-me os movimentos,
Algemei as mãos
E agrilhoei pensamentos.
E quando vim
A libertar-me os intentos,
O mundo não me acreditou...
E não me quis.
Era demasiado
O preço
Do que não fiz.
Estava extinta
A força,
Soçobrada a vontade
Do poeta
De tenra idade
Que acordou
Demasiado tarde.
Julgo ter cá dentro
Um fogo que arde,
Mas são só cinzas...
Um cadáver andante
De grande e vistoso porte
Deambulando pelas ruas,
Putrefacto,
Exibindo a vida da morte.
Há momentos
Em que acordo
E noto que morri.
Olho à volta
E vejo-me aqui,
No meu centro,
Na periferia de tudo o resto.
Ouço um sino
Longínquo e funesto
E vou a sepultar-me sozinho.
Foi tudo tão triste
E patético
Quanto errar
Uma curva do caminho.
O brilhante e profético
Sonho de ser
Desvaneceu-se.
Era uma vez
Um menino que dormia...
Hoje acordou
E veio ver
O homem que morria.
jpv