A Paixão de Madalena
Livro I - A Paixão de Madalena
5. O
sábado amanheceu frio mas brilhante. Quase como se houvesse esperança no ar. A
manhã vai a meio e a sala é modesta, mas absolutamente limpa. Muitos livros à
volta, uma cristaleira com poucas peças que se esqueceram de ser usadas, uma
mesinha redonda no meio com uma toalha em croché, um bule branco com uma risca
dourada na asa fumega um odor claro a erva cidreira e canela, algumas bolachas
de água e sal num pires, também ele branco, uma manteigueira, algumas fatias de
pão e uma faca sem gume e de folha larga para passar a manteiga loura no pão
fresco e macio, um frasco de doce e um açucareiro com torrões lá dentro. Pela
janela entra o sol e banha a mesa e desenha sombras com a disposição dos
objetos. Entre a sala e a cozinha, Albertina desloca-se com tranquilidade. A
vida já lhe ensinou tanto e já lhe trouxe tantas surpresas que poucas são as
situações que a possam surpreender. Agirá com naturalidade porque, bem vistas
as coisas, natural é a situação. O Criador mandou-nos a este mundo e desde que
chegamos até que partimos andamos contando o tempo que por cá estamos como se
fossemos todos iguais, sendo certo que o somos à partida e à chegada deixando
pelo meio o rasto das nossas diferenças. E acertamos as datas. Falamos ao ano e
meio, somos crianças até aos onze, começamos a ser adolescentes aos doze, somos
adultos aos dezoito, verdadeiramente adultos aos vinte e um, poderosos aos
trinta, experientes aos quarenta, respeitáveis aos cinquenta e a dever tempo à
cova a partir dos sessenta e cinco, altura em que ficamos oficial e
reconhecidamente velhos com direito a desconto nos transportes públicos. E
preparamos as mentes e ajeitamos os conceitos nelas para reagirem com
naturalidade a esta ordem de coisas. Somos homens quando chega a idade de sermos
homens, mulheres quando chega a idade de sermos mulheres, casamos na idade de
casar, procriamos na idade de procriar, vencemos na idade de vencer e morremos
quando se espera que tal venha a suceder. Ora, em saindo um de nós desta
regulação e desta tácita ordem de sucedâneos, estranham os conceitos,
inquietam-se as mentes e reagimos expurgando de nós e da nossa normalidade, a
anormalidade sucedida. E ao fazê-lo, expulsamos a mesma diferença que passamos
a vida inteira a reclamar como direito. Em abono da esperança na nossa
humanidade, alguns de nós abrem os horizontes da leitura da vida e da perceção
dos sucedidos nela. E habituam-se a não estranhar. E desenvolvem a tendência de
aceitar, mais do que de rejeitar, de incluir, mais do que expurgar. É assim
Albertina. Por si começou pois que se divorciou, por vontade própria, numa
terra e num tempo em que se não divorciavam os casais e menos ainda por
iniciativa das mulheres. Um divórcio era uma desgraça na família e uma mancha
no casal com particular ênfase para a mulher, por inocente que fosse. Ora,
espírito livre nasceu Albertina e em espírito livre criou Madalena e foi esse
espírito que primeiro reconheceu em Kyle e, por isso, resolveu aceitá-lo. Isso
e o gosto por chá. São pequenas as coisas, pormenores, que às vezes influenciam
as decisões maiores.
-Interessa-me pouco a sua idade e interessa-me
ainda menos o que as pessoas dirão. O que as pessoas dizem são palavras. As
palavras varrem-se do cimo da terra com uma suave brisa. Quanto a normalidade,
lamento, mas não sei o que seja. Nada na minha vida tem sido normal e pouca
coisa na vida de Madalena tem sido normal. E nem por isso temos deixado de ser
felizes. Interessa-me, isso sim, se gosta dela. Se está disposto a cuidar dela
e a fazer disso a prioridade da sua vida. Pelo que viveu, pelo que leu e pelo
que viu, Madalena é já uma mulher, mas tem ainda o pensar de uma jovem. Precisa
ser acompanhada.
- É isso que quero, mais do que tudo.
Acompanhá-la. Cuidar dela. Sinto desejo, sim… como disse, ela é uma mulher, mas
antes desse desejo há uma profunda vontade de ampará-la.
- E de ser amparado por ela…
- Não nego. A juventude dela é-me necessária.
Estou doente. Ela sabe isso.
- E está mal?
- Acho que sim, mas não penso muito nisso. Nem sou egoísta com isso. Eu não
procuro uma enfermeira, senhora Albertina…
- Albertina.
- Eu não procuro uma enfermeira, Albertina. De
facto eu não procuro nada, ou, pelo menos, não procurava… Queria só que me
deixassem em paz. Que me deixassem acabar em paz, mas Madalena desinquietou-me
o espírito e fez-me ter coragem e acreditar que ainda é possível viver.
- E eu preocupada com ela e com o que o senhor
lhe podia fazer… o melhor seria preocupar-me consigo… estou a ver que ela lhe
deu volta à cabeça…
- Remexeu-ma toda. A cabeça e o coração…
E, em meio desta conversa, surgiu uma voz
feminina e jovem:
- Olha que bonito, a brincarem aos adultos, a
falarem de mim como se eu não estivesse aqui. Não sei já qual dos dois me disse
que isso era falta de educação. Talvez ambos! O mais certo é ter de cuidar de
vós… velhotes…
E riu. E arrastou consigo as gargalhadas deles e
criou-se ali a sintonia que todos queriam preservar. E o certo é que Madalena
pelo que conhecia de cada um viria a ser uma ponte entre todos. E quando se
despediram ao final da manhã, Albertina acrescentou com o olhar antecipando uma
lágrima, Cuide bem da minha menina. Da nossa menina, emendou Kyle.
Todos os namoros são como os outros namoros e
nenhum namoro é como os outros namoros. Tudo é encantamento e enamoramento e
limar dos defeitos alheios com os olhos próprios, tudo é essa força magnética
de puxar-te para mim e empurrar-me para ti, tudo é marcado pelo olhar
benevolente da descoberta e pelo movimento concêntrico da adaptação. E,
contudo, cada par tem seus próprios ritmos, suas próprias caraterísticas, seus
rituais, suas músicas e suas palavras de encantar. O que, definitivamente,
marcará para sempre o namoro de Kyle e Madalena é que foi ele o guia, o tutor e
o cicerone e foi ela a aluna aplicada das emoções, das atitudes e da forma como
se pode olhar o Universo. Ensinou-a a reagir a pressões, ensinou-a a
consciencializar sentimentos, ensinou-a a relacionar-se com os outros medindo
forças, ensinou-a as subtis diferenças entre paixão, amor e amizade e
ensinou-lhe os sinuosos caminhos que se percorrem no prazer do corpo para
conquista da alma. E ensinou-lhe a cidade. Os passeios junto ao grande lago, os
locais para comprar as melhores mercearias, os bares mais confortáveis e os
poucos pubs importados da Irlanda onde era possível ouvir o jorrar da
cerveja, o bater das canecas umas nas outras, as pessoas falando alto e
aquecendo o desconforto do local com a sua ruidosa presença. Ele costumava
dizer, Isto é a Irlanda diluída pelo frio e pela distância, mas é o
mais aproximado. E ela retorquia, Estás sempre a falar do frio de cá,
mas lá também é frio. Mas ele não se calava, Onde há dois irlandeses,
não há frio, o frio combate-se de muitas formas, os sistemas de aquecimento são
menos eficaz! E como sempre acontece foram aprendendo-se mutuamente. Foram
percebendo o recorte mental de cada um. Ela percebeu-lhe o caminho de vida
atribulado, a ânsia de paz, assuntos por resolver com as filhas, a mente plural
e aberta, o gosto pela sedução, o desespero com a doença. Ele viu-lhe o desejo
contido de conhecer mundo, outras gentes, outras pessoas, para ela, estar entre
as montanhas que cercam a cidade, era como estar aprisionada, viu-lhe a candura
e viu-lhe, na malandrice de menina, a sensualidade da mulher que despontava. E
quando a cidade estava explorada e conhecida e começavam a desenhar-se rotinas,
ele disse-lhe, Um dia destes falo com a Albertina e levo-te a Belfast. Isso
sim, é uma cidade. E que tal falares comigo primeiro? Já me perguntaste se
queria ir contigo? Não perguntei, nem pergunto, vais e pronto, às crianças não
se pergunta o que querem fazer, diz-se! E ela começou a correr atrás dele e
ele fugia numa corrida frágil e tímida e quando o apanhou, puxou-lhe as orelhas
e mordiscou-lhas e beijou-o e pelo meio disse-lhe em excitação, Temos de
castigar o senhor professor!
- Tenho uma má notícia para ti.
- E uma boa?
- Depende de como encarares a má.
- Como queres que a encare?
- Como quero que encares tudo. Com aventura no
coração e espaço na mente.
- Espaço na mente?
- Sim, Madalena. Não te feches sobre ti e o teu
umbigo.
- Vais gostar do meu umbigo…
- Não me distraias, ouve-me que isto é
importante…
- Sim, setôr!
- Abre a tua mente para as oportunidades da vida.
O interessante nas oportunidades é que muitas vezes vêm mascaradas de problema.
Não sejas pequena no pensar. Não deixes os problemas tomarem conta de ti.
Abraça a vida, entrega-te a cada dia como se tudo dependesse dele, agradece o
sol e a chuva e, sobretudo, agradece cada pessoa que se cruzar contigo, mesmo
que te traga problemas. Os problemas são sofrimento e o sofrimento é
aprendizagem e nós nunca aprendemos o suficiente e quando finalmente sabemos
algo, estamos prontos para partir… não sejas efémera porque a efemeridade é a
tua condição à nascença. Sê perene nas tuas opções e nos teus atos.
Imortaliza-te a cada momento, a cada olhar e a cada palavra e, mesmo assim,
verás mais tarde que poderá não ter sido suficiente.
Madalena bebeu-lhe as palavras como um néctar de
vida, um manual de sobrevivência e gravou-as na mente e no peito. Nunca mais
dali sairiam. Contudo, não se deixou iludir em relação ao início da conversa e
atalhou:
- E a má notícia?
- No próximo ano não serei teu professor.
- A tua saúde?
- Não. A minha opção!
- A tua opção? Porque te afastas de mim?
- Não me afasto, miúda, aproximo-me.
- Vais começar a fazer sentido em breve ou tenho
de esperar?
- Madalena, já passei a fase de achar que isto
era uma loucura. Já te inclui no meu céu de estrelas e pessoas boas, já estás
no meu coração. Pedi a minha demissão por razões diversas.
- Pediste a demissão? Tu és louco?
- Seria louco se não fosse louco. Tenho pena de
só ter-te encontrado agora, mas agora que te encontrei, quero cada momento
partilhado contigo. Demiti-me, antes de mais, para ter tempo para nós. Também
preciso de tempo para mim, para gerir esta doença terrível que me consome e
depois por razões que são dos homens com preconceitos e que combateria noutra
altura e noutras circunstâncias. Acontece que, neste momento da minha vida, não
me importo de fazer-lhes a vontade e ser um bocadinho egoísta. Afasto-me do
trabalho por questões éticas, para que não digam que o professor e a aluna dormem
juntos. Sim, não tenho dúvida nenhuma de que a maldade e a inveja reduzirão o
nosso amor a um estereótipo pejorativo, a uma coisa feia, quando na verdade é a
coisa mais bela que alguma vez me aconteceu…
- Mas nós não dormimos juntos…
- Mas vamos dormir, tens consciência disso…
- E até uma pontinha de ansiedade… só quero que
me prometas uma coisa…
- Tudo.
- Vais achar que é coisa de miúda como costumas
dizer, talvez seja, talvez seja a Elisabeth Bennet que há em mim, ou então é só uma
tolice…
- Desembucha, miúda.
- Promete-me que será especial. Não quero mais
nada de ti. Eu percebo que te possas interessar por mim só por causa da minha
juventude, pela atração do corpo, mas, ainda que seja uma só vez, promete-me
que será especial.
- Enterneces-me e ofendes-me. Já te falei de sexo, eu? Não. E sabes porque não? Porque eu adoro sexo, mas sei que é só um
complemento do que as mentes das pessoas conseguem trocar entre si. É preciso
desbravar as ideias primeiro. Deixar crescer o entusiasmo, deixar evoluir a
sedução e por fim consumá-los num momento… como é que é a palavra que usaste?
Especial! Sim, miúda, será especial. Para ambos.
- E enterneço-te com quê?
- Hã?!
- Pois, esse teu discurso todo foi sobre o que eu
disse e te poderia ofender, mas também quero saber o que é que te enterneceu?
- Que tu queiras um momento tão íntimo, tão
revelador, e tão especial como esse comigo. Que tu estejas disponível para
entregar-me a tua juventude em vez de o fazeres com um rapaz da tua idade.
Seria o normal, não?
- Os rapazes da minha idade são uns tolos. Acho
que por serem da minha idade ainda não estão preparados para dar. Somente para
sorver, sugar a emoção e deixar escapar entre os dedos a oportunidade de fazer
algo especial…
- Meu Deus, a consciência que tu tens das coisas!
- Com que então demissão?
- Demissão!
- Valho assim tanto?
- Vales o resgate de uma vida.
- Talvez só tenha vindo ao mundo para isso…
- Para quê?
- Para resgatar vidas. Como uma missão, uma
predestinação. Madalena a que veio para amar e resgatar.
A conversa foi breve e produtiva:
- Se a Albertina não vir inconveniente, este fim
de semana vou levar a Madalena a conhecer Belfast.
- Sabe, Kyle, há uma coisa em que ela tem razão.
Temos de deixar de falar dela como se ainda a estivéssemos a educar. Eu criei-a
em liberdade. A liberdade das decisões e a responsabilidade por elas. Ela
optou. É com ela que tem de falar. Eu não estou a demitir-me de nada. Só não
posso substituir-me à Madalena, sobretudo, assumindo nós que estamos perante
uma mulher. A sua mulher.
- Sim, tem razão. Só não queria que não soubesse
onde ela vai estar.
- Para mim, Kyle, onde ela vai estar é consigo.
Nas suas mãos. No seu coração. E isso basta-me.
- Fico feliz por ouvir isso…
- Divirtam-se e…
- Sim?
- Que seja especial!
- Vocês combinam-se?
- Ou estamos irmanadas pela convivência e pelo
amor. Chá?
- Sempre. Adorei
aquela planta aromática…
- Cidreira.
- Cidreira.
Belfast surpreendeu-a em todos os sentidos. De
todas as formas. Maravilhava-se a cada esquina e pedia a Kyle que lhe contasse
a história de cada edifício. Apesar de se notarem ainda os efeitos dos
conflitos na degradação dos espaços, a cidade afigurou-se-lhe belíssima. Era um
emaranhado de ruas estreitas e compactas com muitas delas para uso pedonal
exclusivo. A marca da época vitoriana habitava cada edifício e evocava
histórias antigas de realezas e cavaleiros nobres. Kyle mostrou-lhe a
sumtuosidade do Scottish Provident Building, a harmonia musculada do City Hall
onde a levou de novo à noite para verem a cúpula iluminada, a frieza vertical e
exótica do Albert Clock, Vê lá se tens o relógio certo, este nunca se
engana! Visitaram os jardins botânicos onde fizeram corridinhas e trocaram
abraços e beijos apaixonados. A certa altura, Kyle dirigiu-se com ela para o
mar, percebia-se pelas gaivotas a bailar e os corvos marinhos agitados em volta
delas, até que chegaram junto de uns grandes
armazéns que pareciam abandonados e onde jaziam enormes peças de ferro
que lhe pareciam pedaços de um gigantesco puzzle tridimensional de um barco.
- O que é isto? É tudo tão velho, tão abandonado.
- São os estaleiros da Harland and Wolff.
- Da quê?
- É uma construtora de navios.
- Muito bem. Apesar de tudo isto ser estranho e
feio, conseguiste pôr-me curiosa. Tem tudo sido tão romântico, posso saber o
porquê deste momento de sucata?
- É um dos mais interessantes momentos. Poucas
pessoas sabem que foi aqui…
- Que foi aqui o quê?
- Já ouviste falar do Titanic?
- Quem não ouviu? Uma história de grandiosidade e
terror. Até fizeram um filme na década de cinquenta. É trágica e bela a cena do
navio a afundar-se com as pessoas em sentido… não me digas que…
- Exatamente! Foi construído aqui, nestes
estaleiros.
- Maravilhoso.
Depois percorreram a Victoria Street e pararam em
frente ao Crown Liquor Saloon.
- Este também tem uma história.
- Então?
- Durante a fase mais acesa dos conflitos sofreu
várias tentativas de ataque, mas nunca foi realmente atingido.
- Porquê?
- Essa é a parte engraçada. A malta aqui diz que
é porque Deus protege os bêbados.
- E bebemos?
- Claro. É obrigatório.
E beberam e passearam pela noite fria e foram-se
aquecendo intermitentemente neste e naquele pub e toda a gente parecia
conhecer Kyle e toda a gente lhe perguntava quem era aquela e ele dizia com
inocência que era a sua namorada. Uns calavam-se, outros riam, outros gozavam e
todos acabavam a beber uma Guiness com eles. Chegaram tardíssimo ao
hotel e caíram pesados e exaustos na cama. Pensaram diversas vezes, um e outro,
que aquela seria a noite dos corpos. Não foi. O dia fora tão extenuante quanto
interessante e a noite longa e visitada por muitos vapores etílicos. Foi de
madrugada. Ele acordou e viu a luz primeira do dia banhando-lhe a pele.
Percebeu-lhe a sensualidades das curvas e dos volumes e, olhando para ela,
mesmo sabendo da sua juventude, não podia deixar de admitir que era de uma
mulher que se tratava. Com a ponta dos dedos, percorreu-lhe um braço numa
carícia suave e sentiu-a acordar ainda que fingisse continuar a dormir. Depois
poisou-lhe um beijo no ombro descoberto, e ainda outro no pescoço, ela
voltou-se para ele como se acordasse, sem abrir os olhos, e beijou-o
apaixonadamente. E sussurrou-lhe, Ensina-me tudo. Ensinarei. Desapertou-lhe o
sutiã e beijou-lhe os seios firmes e rosados, percorreu o seu ventre com os
lábios húmidos e beijou-lhe o sexo como quem se persigna num altar agradecendo
a dádiva e acariciou-a de tal forma que quando se ergueu para tomá-la, ela já
estava ansiando que ele o fizesse. E aceitou-o no seu ventre, acolheu-o em si
como uma dádiva de vida, recebeu-o para ficar a eternidade toda no seu corpo e
na sua alma. E deram-se as explosões todas e voltaram-se a dar. E foram
ensinando um ao outro o caminho despudorado do prazer e foram brincando um com
o outro como se fossem brinquedo um do outro. E houve libertação. Kyle
libertou-se da opressão da doença, sentiu esperança e realização. Madalena
libertou-se de si, da sua própria ignorância e cruzou as fronteiras traçadas
pelos preconceitos dos homens. Foram um casal. Um homem e uma mulher esgrimindo
a sedução e a sensualidade. Foram dois corpos nus inaugurando o amor na
madrugada fria de Belfast.
Quando trouxeram o pequeno almoço ao quarto,
Madalena devorou-o sentada na cama como se não comesse há uma semana. Kyle
viu-a comer com prazer enquanto bebia um café. Depois foi para o chuveiro,
abriu a água quente, deixou-a correr sobre a cabeça que ergueu aos céus. Em
pensamento agradeceu a mulher que o fizera renascer e era uma pequena oração
que murmurava enquanto a água lhe corria pela face misturando-se com as
lágrimas.
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