Crónicas de África - Provisório-Definitivo
Maputo, 2 de dezembro de 2012
A autora Alice Vieira escreveu, há uns anos, um livro intitulado "Um Fio de Fumo nos Confins do Mar" que tinha uma personagem, de seu nome Crispim, que, a propósito do aspeto degradado de certos barracões nas escolas, se referia ao estilo "Provisório-Definitivo". Assim uma espécie de remendo que chega como provisório e vai ficando e vai perpetuando-se no tempo até que se integra na vida das pessoas como definitivo.
Em Maputo também há disso. Com os carros. Mais especificamente com os pneus suplentes. Antigamente, havia aqueles pneus suplentes que eram mesmo pneus. Uma pessoa tinha um furo, substituía o pneu e ele ficava lá para sempre, que é como quem diz, até ter um furo. O remendado ia para o lugar do suplente. Ora, alguém se lembrou de poupar uns cobres, e os carros passaram a vir equipados com um pneu suplente minúsculo, assim mais a parecer uma roda de bicicleta. Notam-se bem porque têm uma jante amarela e berrante. Dizem as instruções que aquilo é provisório e só dá para 30 quilómetros. Em Maputo dá para bem mais. Aqui, todo o material é precioso e aproveitado até ao limite. Bem podem dizer que aquilo é para 30 quilómetros, mas, uma vez colocado um pneu desses num carro de Maputo, ele vai eternizar-se e andar ali até não dar mais. Então é ver carros particulares e taxis de pneu provisório-definitivo. Há aqui um carro que eu conheço porque me cruzo com ele diversas vezes e porque tem uma cor marcante, cor de rosa, e lá anda ele, pelo menos há dois meses, a exibir a sua orgulhosamente minúscula jante amarela. Resolvi escrever estas linhas por duas razões. Primeiro porque a cidade está repleta destes pequenos pneus que era suposto serem para uma aflição provisória e andam por aí definitivamente agarrados aos veículos. Depois porque hoje me cruzei com um veículo curioso. Era um carro desportivo, baixinho, todo branco e com uns pneuzorros larguíssimos e com umas jantes que não tinham nada menos do que 19 polegadas. Três delas! A quarta, pneu traseiro, lado direito, lá ia luzindo sua rodinha de bicicleta amarela. E acham que o tipo se importou? Qual quê?! Janela aberta, música no máximo a vibrar a voz da Dama do Blingue, braço de fora (infração punida por lei), relógio reluzente e o orgulho como o som: no máximo. O pneu? Que importa lá isso. Era um provisório-definitivo. Está-se bem. Maningue bem!
jpv