Crónicas de Maledicência - Notícias do Fim do Mundo
Estou chateadíssimo com os americanos. Em particular com o governo estaduniense! Tem uma pessoa a vida organizada, surge um boato sobre o fim do mundo a 21 de dezembro e o que faz o cidadão responsável e cumpridor como eu? Atafulha a despensa de latas de atum, despede-se dos amigos e da família, vai à igreja encomendar a alma ao Criador e espera tranquilamente que venha o fim. Foram assim os meus últimos dias. Ora, acontece que hoje o site do governo americano anunciou ao mundo essa surpreendente, fantástica e dura realidade, só ao alcance dos mais iluminados: "o boato sobre o fim do mundo é só um boato"!
Já de si, é difícil conceber que um boato seja um boato. Um boato normalmente é outra coisa qualquer. Ora, mais difícil ainda é enxergar que quem anunciou que o mundo acabaria no próximo dia 21 de dezembro estava a gozar com a malta e a mentir ou que batia mal da carola. Normalmente, as pessoas que preveem o fim do mundo é tudo gente muito ajuizada e adoradora do rigor científico e professa da ciência, a mãe de todas as coisas, inclusive dos boatos.
Por outro lado, ainda que tenha de viver mais uns tempos, a verdade é que fico com uma carrada de latas de atum que são bem capazes de durar mais do que o meu tempo de vida.
Se eu estou a brincar? Nada disso. Pode ler-se aqui o anúncio do respeitável governo das terras do Tio Sam.
Eu não percebo muito de política nem gosto de me dedicar a essa arte. Não é por nada em especial, é só porque passei a infância e a juventude a ouvir dizer que era porca e eu sou um tipo asseado, contudo, era capaz de adivinhar que a situação política, social e económica estaduniense não é a mais agradável. E a razão é simples: quando o governo de um país gasta dinheiro, esforços e a pouca massa cinzenta que lhe resta a desmentir boatos sobre o fim do mundo, está tudo dito.
Mas, cá para mim, tudo não passa da mania das grandezas. Senão vejamos. Nos filmes americanos, onde é que aparecem os extra-terrestres? Nos Estados Unidos, claro! E que língua falam? Americano, claro! E Deus, onde é que aparece Deus e a quem se mostra? Aparece no quintal de uma casa americana e mostra-se a um americano comum que, por coincidência, vive dificuldades tremendas, até a namorada lhe deu com os pés! E que língua fala Deus? Exato! E o maior vulcão alguma vez visto, onde é que ele entra em erupção? No sistema de esgotos de uma cidade americana! E as pragas de gafanhotos? É lá! E os dinossauros, onde é que vão parar? À Quinta Avenida em Nova Iorque! E o vírus mortal? É lá! E os mísseis para onde vão? Para lá! E a maior onda marinha alguma vez vista? É lá! E os milagres todos? É lá! E o King Kong? É lá! E as explosões e os gangsters e as aventuras e os tesouros da Humanidade e os faraós e o mapa do tesouro e os piratas e os bandidos e as pessoas boas e os génios e, e, e... Estão todos lá, vão todos para lá e são todos encontrados lá. Não admira, pois, que os americanos se sintam no direito de achar que sabem ou não sabem quando vai ser o fim do mundo. De resto, eu acho de uma generosidade e de uma amabilidade tremendas que nos tenham dito para estarmos descansados. Em inglês, mas disseram.
Eu só fiquei chateado porque não sei mesmo o que fazer às latas de atum!
jpv