N'amurada

N'amurada

Um calor que sobe,
E a percorrer o corpo,
Um arrepio.
Um mar que fustiga.
Uma donzela
N'amurada do navio.
Um sol que nasce,
Uma lua prenhe e redonda,
Um mar encapelado,
Um homem a desafiar a onda.
Uma pintura inacabada,
Um pincel abandonado,
Um risco encarnado na tela,
Um caminhar desolado...
E feliz!

Um só pensar nela,
Um longe que é perto,
Uma ânsia de saber
Que o errado está certo.
Um coração encarnado a bater.
Mais forte!
Um azar que deu em sorte.
E vieste.
E chegaste
Donde te não esperava
Desarranjar este mundo
Que antes não prestava!

Um grito,
Um ato de fé,
Um autocolante pintado
Com "Amor é..."
Um linha de cintura
E um sensual movimento.
E, de repente, a terra dura
A perder-se no tempo.
Uma mulher
Que um homem quer
E deseja,
Uma ousadia,
E agora já a tem.
Um bem querer
E um querer bem.

Uma luz trémula
A enfeitar dois corpos despidos,
E num átomo de tempo,
Dois amantes vencidos.
Um poema
E uma poesia,
Uma coruja piando na noite,
Um rouxinol alegrando o dia.
O tempo a passar
E a neve da vida,
Branca e paciente,
Veio nos pintar.
Mas a donzela, lá está,
N'amurada do navio
Para eu adorar.

Ah! Amor, que és uma religião.
Um tempo que me falta,
Um tempo que me sobra,
Uma suave emoção.
E o arrebatdor desejo de não morrer,
Quanto mais não fosse,
Para te ver,
Cada dia,
N'amurada do navio
A preencher
O meu horizonte...
Outrora vazio.
jpv

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