O que é a felicidade?

Olá mana,

um dia destes, recente, fomos os três ao cinema como tantas vezes vamos. Também desta vez, mais pela distracção do que pela promessa do filme. Era um daqueles romances previsíveis em que eu e o Iago adivinhamos as falas das personagens. Homem conhece mulher. Mulher conhece homem. Detestam-se. Apaixonam-se. Zangam-se, reatam, toca uma balada e... The End!

Contudo, por entre o ziguezaguear de um argumento estafado, uma personagem, confrontada com as escolhas que tem pela frente, pergunta: "O que é a felicidade?"

Perdi-me na resposta e quando voltei ao filme já vários eventos se tinham sucedido. É essa resposta que quero ver se te alinhavo.

Para além da verdade óbvia que é a impossibilidade de definir-se a felicidade em termos absolutos, eu vivi sempre esta sensação esquisita e perturbante de que a felicidade não estaria forçosamente ligada a coisas boas do quotidiano. A nossa infância e a nossa juventude foram atravessadas por momentos dificílimos, terríveis de viver, de perceber, de digerir. Traumáticos, mesmo. As crianças não deviam ter de viver a violência das guerras, das separações, dos desencontros... Nós vivemos esses momentos de ódio e sangue ultramarino. Os jovens não deviam ter de conviver com a decadência prematura da saúde dos pais. Nós convivemos com isso. E, no entanto, não posso deixar de pensar que fomos imensamente felizes!

A meu ver, a ideia de consquistar a felicidade gera a impossibilidade de a viver. A felicidade não se conquista, não se possui, não se compra, não se tem. Vive-se em cada gesto, em cada pensamento. Ser feliz tem muito mais a ver com abdicar do que com conquistar. Tem a ver com a partilha, com a dádiva, com a grandeza de nos percebermos pequenos, com a consciência do pouco que é Ter e, mesmo assim, estar disposto a partilhar. Tem muito mais a ver com a valorização dos momentos, das trocas e daquilo que se tem do que com aquilo que se pode vir a ter.

Para mim, a felicidade é olhar para o meu filho. É ver a minha mulher sorrir. É dar um passeio só para sentir o sol na pele, cheirar o mar profundo. É correr debaixo da chuva e senti-la fresca na face. É fazer uma festa num cão. É convidar a família e os amigos para um almoço onde a mais séria das conversas seja uma banalidade. É escrever-te um mail. É ir vivendo tudo isto intercalado com dor, com perda, com lágrimas, com sacrifícios. Porque são estes que emprestam significado àqueles!

Não entram nesta equação as questões da conquista e da posse. Sabes, mana, uma vez uma pessoa amiga disse-me que "As coisas mais extraordinárias da vida são de graça!" E, hoje, dou-lhe razão.

Ser feliz é crescer na tranquilidade de não precisar de Ter. É crescer nos outros e com os outros. É criar laços. É tentar escapar à infelicidade da solidão, à escravatura da posse.

Recentemente abdiquei de ter uma coisa importante e grandiosa para viver coisas mais pequeninas e singelas que se não têm mas vivem. Recentemente, pouco antes do cinema com filme previsível em tela, pus de lado um grande cometimento em troca de gestos pequenos e ternos.

Recentemente abdiquei. Já não era tão feliz há muito tempo!

De ti, mana, não abdicarei nunca.

Beijo,
mano.

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