Da entrevista a Isabel Alçada.

É possível ter uma visão poética sobre todas as coisas? O impulso é dizer que sim. Tudo tem poesia. Mas há obstáculos. Sei lá, assim de repente, onde está a poesia daquele pedacinho de plástico que colocam nas pontas dos atacadores para que se não desfiem? Onde está a poesia do motor de ignição de um carro? Onde está a poesia do composto químico do conteúdo das pilhas? Onde está a poesia de uma entrevista à nova Ministra da Educação?

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Trazias um sorriso inseguro e uma voz trémula, a espaços entrecortada pela força da determinação. Sabias o que querias mas não como querias e por isso o discurso saíu-te confuso. Mas as hostes, excepção feita aos cépticos de sempre, gostaram de ouvir-te. Fizesses o que fizesses, mostrasses as incertezas todas, e todas as dúvidas. Hesitasses, errasses, mesmo, e estaria tudo perdoado por via de um gesto só: colocaste-te ao lado dos injuriados, foste uma de nós. Sem soberba, com simplicidade e até alguma poesia. Atacaste as perguntas e os desafios pela perspectiva abandonada no passado. E veio-te daí a fraqueza e a força também. E olhaste o futuro com brilho nos olhos e um sorriso. Um sorriso. Há quanto tempo não víamos um sorriso.

Sabes, eu estou céptico. Não por ti. Pelos contornos que conheço ao problema. Pelos agentes. Pelas circunstâncias em que vieste a ser quem és. Pelas pedrinhas todas que vão colocar-te na engrenagem. Pelas forças que não controlas, algumas até desconheces. Tão acima de ti! Podem sufocar-te como já me fizeram. Sabes, há moinhos atrás dos moinhos de Quixote e há monstros escondidos na sombra do Adamastor. E há, haverá sempre, a cortina da dúvida pairando entre a tua vontade e a tua autonomia, entre a sinceridade com que te colocaste ao nosso lado e a possibilidade de não ter sido sinceridade nenhuma. Esta mediação não é da tua responsabilidade. É uma herança. Uma herança de desentendimento. Sabes, eu não quero dar-te conselhos. Não sou ninguém nem tenho nada comigo que me autorize a tal. Mas tenho o atrevimento. Simplifica. Não fujas para a frente, não vás atrás da enxurrada da complexificação do que não ganha nada com a complexidade porque tem uma matriz de simplicidade. Ser professor é dar. Dá! Ser professor é dedicar. Dedica! Ser professor é conquistar. Conquista! Ser professor é ceder. Cede! Ser professor é trabalhar. Trabalha! Ser professor é amar. Ama! Concentra-te no cerne, concentra-te no essencial e corta a facadas pujantes e decididas as excrescências, os excessos. Sabes, eu vivo um paradoxo desde que me conheci. Acho que é um paradoxo português. É que sou céptico mas gosto de acreditar. Hoje acreditei.

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