Aqui onde o vemos, está sentado à mesa da cozinha com a família. Maria de Fátima à sua frente na outra ponta, a pequena e franzina Alice à sua direita aceitando aviões-colher-de-sopa, vruuuummm, esta é pelo o papá, vruuuummm, esta é pelo mano... e à sua esquerda o pequeno, menos pequeno, é certo, Marco das conversas de bola na aventura dos recreios da vida, Marco de querer saber tudo acerca dos dinossauros. José António conversa com o filho, brinca com a filha, pisca um olho a Maria de Fátima, faz-lhe um sorriso doce e perscruta-lhe os desejos e as necessidades com o intuito genuíno de os satisfazer. Se lhe falta o pão, vai buscá-lo. Pôs a mesa, aqueceu o jantar, dá de comer aos miúdos, repara que o guardanapo dela está já usado por usado ter sido e vai buscar-lhe outro, traz uma faca para o queijo, limpa a boca à pequena Alice que está tentado comer sozinha, tira dois cafezinhos de uma maquineta a imitar aquela do anúncio mas mais barata, levanta a mesa, ajuda o filho com os trabalhos de casa, brinca com eles um pouco, conversa com Maria de Fátima acerca da novela por que finge interessar-se, ou se interessa não querendo mas sendo verdadeiro no seu propósito, veste o pijama aos miúdos, vai deitá-los com Maria de Fátima, conversa com ela acerca do dia que está terminando e quando vai deitar-se fará amor com ela se ela assim o quiser e caso não queira adormece cansado e insatisfeito mas realizado.
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Desde que decidiu mudar, José António está empenhado em ser um marido melhor, um pai melhor, um homem melhor. Está mais presente, sempre presente, é atencioso, carinhoso, voluntarioso, sacrifica-se pequenos prazeres e rituais antigos e emprega em seu lugar toda a sua energia a realizar a felicidade da sua família.
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José António anda exausto e não se sabe até quando aguentará este estado de coisas mas a sua determinação é total. E é na medida da realização das necessidades, das vontades e desejos daqueles a quem chama seus que este empregado da contabilidade se sente feliz. E é por sentir-se bem e realizado na realização dos outros que podemos dizer, como fizemos no início deste capítulo, que José António reaprendeu a ser feliz. Mas a vida é injusta ou, não sendo injusta é cruel ou, não sendo injusta nem cruel, é vida. E esta felicidade quem a sente, tanto quanto sabemos, é José António. E é perigoso sentirmo-nos felizes por nós e pelos outros. Essa felicidade que o atravessa a ele convicto que está da sua mudança não sabemos se é também de Maria de Fátima porque não lho perguntámos ainda nem ela no-lo disse de vontade própria. O marido não lho pergunta com medo da resposta. Prefere tentar adivinhá-la nos gestos dela. Percebeu que ela está mais tempo em casa, atrasa-se menos vezes no trabalho, sai menos com as amigas. E quando diz, determinada e firme, no sábado à tarde vou sair com uma amigas, pode ser? Ele dilacera-se por dentro do corpo e da alma, teme que as amigas o não sejam de facto mas prefere não viver esse lado da vida dela, deixá-lo ao largo da sua própria vida, e responde-lhe terno e atencioso, claro que sim, diverte-te, eu fico com os miúdos, temos muito com que nos distrair. Ela percebe a referência aos filhos. Emudece. Não se demove.
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Os dias correm céleres e não sendo este casal feliz, não é infeliz também. Maria de Fátima estranhou tão profunda mudança de atitude e questionou-o. Ele atirou-lhe com uma justificação verdadeira para além da verdadeira razão que não podia revelar-lhe, que queria aproveitar mais a maravilhosa mulher que tinha, a fantástica família que tinha, que era uma felicidade viver assim, que se sentia feliz e realizado e a eles devia tudo e por isso os compensaria com o desvelo e a dedicação de que fosse capaz. Maria de Fátima não acreditou. Conhecia-o bem demais. conhecia-se bem demais. Sabia de si que era uma causadora de problemas e sabia dele que estava tentando resolver um problema. Por agora, decidiu acreditar.
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Quando entraram na intimidade dos lencóis e ela o puxou para si, José António foi carinhoso e terno, desvendou o seu reportório de carícias e foi suave e delicado no momento em que os seus corpos se fundiram. José António esteve fazendo amor com Maria de Fátima. Ela teria preferido sexo. Impacientou-se, cravou-lhe as unhas nas nádegas e quis que ele a possuíse, que a tomasse com vigor e altivez masculina. Estiveram amando-se desencontrados e sempre que tal acontecia a nuvem negra dos receios de José António ocupava-lhe as ideias e enchia-lhe o peito e Maria de Fátima costumava pensar: "Sábado, vou sair com umas amigas!"