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Estão deitados, os corpos nus cobertos pela roupa de cama, olhando o tecto como se fosse o céu. Trocam carícias faladas e banalidades como se fossem as coisas mais importantes do mundo. E talvez sejam. E em meio deste deleite que é o prazer de ver passar o tempo depois da entrega dos corpos suados e das almas uníssonas, sentem a presença, o calor de outro corpo que chegou ali voluntariamente e generoso se entregou e humilde recebeu. Estiveram fazendo amor e agora conversam e cabe-lhe a ela a palavra que é uma observação mas bem podia ser uma pergunta.
- Fazes sempre amor, nunca sexo...
- Não sei fazer sexo. Quer dizer, nem sei bem se sei ou não. Sei que só conheço esta entrega e esta dádiva...
- Nunca te apeteceu pensar só em ti?
- Acho que não sei...
- Não sabes se te apeteceu?
- Não sei fazer sexo.
- Isso resolve-se!
Ditas as palavras, ela saltou para o ventre dele, baixou-se sobre ele, esticou o dedo indicador e fê-lo deslizar pela testa dele, sobre o nariz e, por fim, muito devagar sobre os lábios. Baixou-se um pouco mais e sussurrou-lhe ao ouvido:
Ditas as palavras, ela saltou para o ventre dele, baixou-se sobre ele, esticou o dedo indicador e fê-lo deslizar pela testa dele, sobre o nariz e, por fim, muito devagar sobre os lábios. Baixou-se um pouco mais e sussurrou-lhe ao ouvido:
- Não faças nada. Não quero que faças nada. Agora, vais só receber.
E revelou um repertório de carícias que o surpreendeu. Salpicou-lhe a face e o pescoço com beijos pequeninos. Incendiou-lhe o peito com a ponta húmida da língua e percorreu-lhe todo o tronco traçando uma linha contínua de prazer entre o peito e o ventre. Segurou-lhe o sexo erecto e acariciou-o com os lábios quentes e humedecidos de prazer. José António colou as costas à cama, abriu os braços e cerrou nas mãos o lençol arrepanhado. Ela faz, agora, o percurso inverso e vem beijá-lo nos lábios, encaixa-se nele, e balança-se nele, sentada no prazer que dá e recebe. Nestes momentos, nestes rituais, nestes gestos que toldam a vista e o discernimento, há coisas que se fazem e depois se não sabe como fizeram. Ela está de gatas e José António vê-se numa situação única, penetrando uma mulher por trás, voluntariamente dando o que voluntariamente é recebido. E trocam-se palavras impronunciáveis a não ser nestas horas e nestas acções. E olha-lhe as nádegas alvas e sente uma ordem e cumpre-a e as nádegas já não estão alvas que encarnadas ficaram dos castigos que ela lhe pedia e ele lhe dava, primeiro a medo, depois, deixando-se levar pela libertação da mente e do corpo. E quando acabaram, José António descobrira-se um homem diferente, nem sonhava que era possível trocar aqueles gestos, quanto mais fazê-los. Tinha no peito um sentimento ambíguo de transgressão e prazer e a mente rebentava-lhe de perguntas e coisas para dizer e o que disse fê-lo sorrir mais tarde, pareceu-lhe ridículo, engraçado, mas na altura foi o que lhe saiu:
- Sabes, acho que fui virgem até hoje!
Ela riu e fez-lhe cócegas e abraçaram-se rebolando na cama e rindo. Depois quis testá-lo e disse com um timbre de voz esperto e malandro a que adicionou um ar falsamente preocupado:
- Amor, lembrei-me de uma coisa...
- Sim...
- Não usámos protecção!
José António gelou. No entusiasmo do momento esquecera-se, de facto, desse detalhe. E perguntou:
- Achas que?...
- Naaa... 'tava a brincar contigo. Era preciso muita pontaria!
E riram os dois e beijaram-se e entregaram-se de novo. Desta vez fizeram amor com protecção. O amor foi bom. A protecção tardia.