Creta 2010 - Diário de Bordo - 11

2/8/2010 - 14:47h. - Georgioupoli
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Hora da sesta. Definitivamente.
A Dona Antónia esteve cá hoje para fazer a limpeza e trocar lençóis e toalhas. Faz isto dia sim, dia não. Hoje cruzámo-nos e ela esteve simpática e conversadora como sempre. Queixou-se da exploração que os gregos vivem por parte dos seus próprios políticos e por parte do governo da senhora Merkl. Não gostam dela na Grécia.
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Depois, a propósito dos alemães, a conversa voou para a 2ª guerra mundial. Nessa altura, o avô dela, um homem novo, fugiu para as montanhas com toda a população quando os alemães invadiram Georgioupoli e deixaram-nos sozinhos sem ninguém para combater. Um dia, às seis da tarde, desceram à vila de surpresa e roubaram uma enorme panela de latão que estava cheia de comida para os soldados. Dona Antónia diz com ironia que tem a panela no jardim com flores e quando a senhora Merkl vier cobrar as dívidas aos gregos, ela paga-lhe a sua parte devolvendo a panela! Relembrou, a este propósito, que a Grécia foi o único país envolvido na 2ª guerra mundial que não foi indemnizado. "É hora de começar a descontar nessa dívida dos alemães", diz.
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Contou, com o brilho no olhar, que a mãe dela tinha cerca de 17 anos na altura da guerra e queria casar mas não tinha vestido. Certo dia, em que os alemães largaram pára-quedistas, a população foi abatê-los a tiro antes de chegarem ao chão. Depois, com burros, trouxeram as botas dos mortos e os pára-quedas que tinham muito que se aproveitasse. Como eram feitos de seda pura e branca, o vestido de noiva da mãe dela foi feito com seda de pára-quedas.
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Dois irmãos da mãe foram defender um aeroporto que estava a ser atacado e foram feitos prisioneiros. Os alemães cortaram-lhes longitudinalmente as solas dos pés com facas para eles não poderem andar e, como tal, fugir. A mãe dela pediu aos alemães para lhes levar roupa lavada. Foi autorizada. Quando ela chegou à prisão, eles vieram ter com ela de joelhos e a rastejar porque não podiam andar. Vestiram a roupa lavada, envolveram os pés com a roupa suja e fugiram para as montanhas correndo e cambaleando.
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Como íamos almoçar, deixámos a Dona Antónia a acabar a limpeza. Quando regressámos, para além do apartamento limpo, estava na mesa da cozinha um pratinho com três fatias de bolo de chocolate que ela fizera. São assim, estes cretenses, uma simpatia e uma alegria de viver a emergir do sofrimento ainda vivo.
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Nota: hoje escrevi um capítulo de "De Negro Vestida".
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