O Casal que Fez Amor no Interregional das 7:18
Não estranhem o Título.
Eu próprio não queria acreditar, mas foi o que aconteceu.
No lugar onde costumo ir sentado, ao lado da senhora que lê, da menina que dorme e do homem que sai em Santarém, vê-se o fundo da carruagem onde os bancos estão dispostos lateralmente, ou seja, virados para o centro do comboio. O casal ia sentado nessa zona, lado a lado. Ele era um homem nos seus quarenta e muitos, grisalho, com muito boa figura. Vestia fato e gravata. Camisa azul-claro e gravata encarnada. Ela seria ligeiramente mais nova, tinha um sorriso bonito, em arco, a enfeitar-lhe a cara magra e o cabelo levara um corte a lembrar a Jacqueline Kennedy. Vestia um saia e casaco cinzento com uma ténue risca branca e um casaco comprido de fazenda grossa, castanho-escuro, por cima da roupa.
Estavam conversando. E a conversa começou a animar. Não que falassem alto, mas começaram a sorrir um para o outro cada vez com mais frequência. No caso dela, houve mesmo alturas em que o sorriso deu lugar a uns risinhos agudos. A pouco e pouco a sua familiaridade foi crescendo e trocaram alguns beijinhos na face e depois, por entre a animada conversa, alguns beijinhos nos lábios. Ora, tudo tem um começo e tudo tem um fim. Nesta caso, o começo foi muito claro. Exactamente quando trocavam um desses beijinhos pequeninos, ela complementou-o colocando a sua mão em concha na face dele e acariciou-o. E ele acariciou-a de volta com uma mão grande aberta ocupando-lhe a face toda. E o problema não foram as suas faces acolhidas pelas suas mãos. O problema é que esse toque e o calor dele prolongaram o beijo que era para ser pequenino e ficou longo e terno e dedicado e húmido de lábios e línguas. E ela puxou-lhe pela gravata e sentou-se no colo dele arqueada e empurrando-lhe a cabeça para trás até que batesse no vidro e dobrou-se sobre ele beijando-o. Ele ficou admirado mas não negou. E a saia dela subiu com o gesto de afastar as pernas para se sentar nas dele, mas pouco se viu disso porque o casaco comprido castanho-escuro caindo direito até ao chão tapava tudo.
Sei que continuaram beijando-se ofegantes e as mãos dele navegaram para baixo do casaco dela e libertaram o que tinham de libertar e juntamente com os beijos começou um inequívoco balancear ritmado. Por esta altura, havia um burburinho no comboio de pessoas que reprovavam baixinho o que não tinham coragem para dizer alto e outras que não reprovavam, É lá com eles, mas o certo é que ninguém ficou indiferente. Ou melhor, quase ninguém. Eles iam de frente para a mulher vampiro que abriu os olhos, encolheu nos ombros e voltou a fechá-los. O ceguinho tirou os óculos escuros e nesse dia não dormiu. A maioria das pessoas, quer aprovasse, quer reprovasse, não tirava os olhos do casal que fazia amor no interregional das 7:18.
E o ritmo deles cresceu e cresceu também a ofegância e pareceu-me mesmo que estavam a chegar a um ponto de não regresso, onde seria impossível parar a jactância do amor a bordo quando aconteceu o inesperado.
O revisor aproximou-se de mim, tocou-me no ombro e disse:
- Desculpe lá, bilhete...
Saquei do passe, mostrei-lho e respondi:
- Desculpe, ia a...
- Não há problema. A esta hora muita gente vai. Mas você ia bem ferrado.
- Pois ia. Sabe, ando cansado.
Guardei o passe, tentei adormecer e recuperar a acção no momento onde a deixara, mas não consegui. Há coisas que só nos acontecem uma vez na vida!