O Clã do Comboio - Os Pré e os Conceitos


Os Pré e os Conceitos.
No desenrolar comum dos nossos dias vamos desenvolvendo ideias, opiniões e pareceres acerca do que nos rodeia e, no agir conjunto do nosso quotidiano criamos os nossos conceitos. Alguns ficam de tal forma cristalizados que nos habituamos a olhar para a realidade segundo eles. Nessa altura já não são conceitos. São preconceitos. E é exactamente aí que, por vezes, a vida nos surpreende. É quando estamos à espera de uma realização com uma certa forma, formato ou formatação, e algo ou alguém quebra o expectável.

É um rapaz. Não viaja todos os dias no interregional das 7:18, mas viaja várias vezes por semana. Gosta de ir para aquela zona da carruagem porque aí encontra mais espaço disponível. O seu aspecto é profundamente rural e até prosaico. Botas cardadas com aqueles atacadores amarelos que só nessas botas se encontram. Calças de ganga sem bainha feita. A substituí-la, uma pequena dobra nas extremidades. Camisola de gola alta, castanha, em lã grossa e um casaco de sebo também castanho. Tem as mãos largas e grossas preparadas para trabalhos duros como os do campo. E, sem estarem mal cuidadas, nota-se que não têm direito às bonomias dos cremes e dos ambientes protegidos. O cabelo curto e espetado no ar e, sempre que entra, olha para o reflexo no vidro e tenta, sem sucesso, penteá-lo com as mãos.

Senta-se. Começa por tirar um saco de plástico da mochila usada. Coloca o saco aberto no colo e, normalmente, bebe um sumo de frutas, come uma sandes, depois uma maçã, depois um citrino, laranja ou tangerina, e termina bebendo um golo de água. No final da refeição, arruma os despojos dentro do saco que ata e devolve à mochila.

E pronto. Aí tendes o vosso preconceito. Agora, falta conhecerdes a realidade.

No momento seguinte, tira da mochila uma pasta de plástico A4 com folhas. Coloca-a no colo onde ainda agora estivera o pequeno-almoço. Saca de uma pauta e escreve. Tal como eu escrevo palavras, ele serpenteia a pauta de colcheias, fusas, semi-fusas, tracinhos e bolinhas negras que a minha ignorância não serve para melhor descrição. Por vezes, está a escrever com a mão direita e com o polegar da mão esquerda vai dando pancadinhas na pasta como se estivesse a marcar o ritmo. Quando sai, no Oriente, Já leva escritas duas páginas de música.

E pronto, aí tendes o vosso conceito. A vossa realidade. A convivência sã entre as coisas do corpo e as do espírito. Entre a ruralidade e a arte divina da música. Aí tendes a vida na sua multiplicidade de realizações e no seu máximo esplendor.

Tudo enquanto o interregional das 7:18 liga o Entroncamento a Santa Apolónia.

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