O Clã do Comboio - As Teorias da ZC

As Teorias da ZC
Inicialmente, quando conheci a ZC, não tinha em mente escrever um texto. A ideia era só fazer duas ou três citações dela e juntar uma imagem a cada uma como é costume aqui do blogue. Acontece que as frases, as ideias e as teorias da ZC foram tantas e tão interessantes que decidi dedicar-lhe um pouco mais de atenção e escrever um texto.
Apanhou o interregional das 7:18 e sentou-se quase de frente para mim. Ficou junto às pessoas do Clã do Comboio. Tinha cerca de trinta anos, trazia um vestido curto de fundo branco e motivos florais, sapato alto, bem maquilhada, óculos de sol redondos e grandes, o cabelo em tom de amêndoa arredondado por cima do ombro e meias de vidro a evidenciar a linha das pernas. Era, definitivamente, uma mulher atraente e elegante. Eu ia a escrever e seguíamos todos em silêncio. Quando chegámos a Santarém entrou o VM, um dos três amigos que querem salvar o mundo. Começámos a conversar os três, eu, o VM e a Rapariga do Riso Fácil, sobre um projecto comum que consiste na escrita de dois textos para eu publicar aqui no blogue. A Rapariga do Riso Fácil e a Mulher Vampiro vão escrever "A Teoria do Bom Homem" e o VM, o RB e o JJ, vão escrever "A Teoria da Boa Mulher".
Ora, foi quando a Rapariga do Riso Fácil nos contou alguns tópicos do texto delas que a ZC interveio:
- Mas isso está perfeito. Os homens são mesmo assim.
Nós sorrimos e recebemos bem a intervenção dela porque somos pessoas receptivas e inclusivas. Não sabíamos é que ela era um manancial inesgotável de teorias:
- Outra coisa perfeita é o meu nome.
Olhámos para ela e ela não se conteve:
- Chamo-me ZC.
- De facto, pouco comum. Adiantou o VM.
E foi então que ela se lembrou de contribuir para a teoria do bom homem. Olhou para a Rapariga do Riso Fácil e disse:
- Sabe o que falta aí?
Silêncio. E ela acrescentou:
- Homem que é homem tem de ser trabalhador e tem de nos dar dinheiro a nós!
Novo silêncio. E ela voltou a acrescentar:
- E ajudar! Aspirar a casa, arrumar a cozinha...
Aí, eu tentei sintetizar a teoria dela:
- Bem, segundo a sua teoria, as mulheres não querem um homem. Querem uma mulher a dias e um cartão de crédito.
Como se fez um silêncio, pensei que a ZC tinha encaixado a síntese, mas enganei-me. Ela tinha algo a acrescentar à sua própria teoria:
- Sabe, isso do homem a dias não chega.
Novo silêncio. E ela acrescenta:
- Também tem de ser bom na cama!
A malta não se conteve e largou uma gargalhada. A Rapariga do Riso Fácil disse que aquilo era importante mas não era tudo. Eu esclareci que com a última característica ainda era capaz de arranjar um homem, o pior eram as outras duas. Até a avisei de que se ficasse à espera de encontrar um homem com aquelas características todas, era capaz de vir a sofrer de solidão. E foi então que eu fiz um comentário cujo objectivo era só pô-la a pensar. E pôs, só que não foi da maneira que eu estava à espera:
- Então a senhora não acha que o bom homem também deve ser arguto, perspicaz...
E a resposta veio redonda e contundente:
- Palavras bonitas, essas. O senhor usa palavras bonitas. Eu gosto de palavras bonitas. Por exemplo, gosto de "casa a arder".
Aí, olhámos uns para os outros, fizemos um ar interrogativo, o silêncio acumulou-se, até que a senhora percebeu que nós não tínhamos percebido a história da "casa a arder" e explicou:
- Por exemplo, a gente em vez de dizer "foda-se", pode dizer "a casa a arder"!
Silêncio generalizado. Estupefacção total. A malta a imaginar frases e nada. O VM cometeu o erro de tentar salvar a situação desviando o assunto e vai daí, sai-se com esta:
- Pois, as mulheres são inteligentes e os homens uns analfabetos...
Pelo andar da carruagem, eu desconfiei que aquilo não ficava sem resposta. E não ficou. A ZC apressou-se a esclarecer:
- Exactamente. Eles têm de ser trabalhadores, ganhar dinheiro para a gente e ser bons na cama. Não interessa nada que sejam analfabetos porque a gente educa-os. Se não der, ala!
E bateu com uma mão na outra a fazer o gesto de "põe-te a andar!"
Por esta altura, o cantinho do Clã do Comboio ia ao rubro e um senhor que viajava ali ao pé e se apresentou como FN quis dar uma ajuda porque ainda havia poucas teorias no ar(!!!):
- Pois claro, o homem faz a mulher e a mulher faz o homem.
A ZC apressou-se a concordar, a Rapariga do Riso Fácil ora se ria, ora ficava muito admirada, o VM e eu olhámos um para o outro, encolhemos os ombros e eu rematei:
- E eu a pensar que Deus é que os tinha feito aos dois!

Isto já dava matéria para uma tese. Não era preciso que a ZC acrescentasse mais nada, mas há dias em que o Clã é assim: uma fonte infindável de informação. Por isso, aqui fica o remate da viagem.
Para percebermos se íamos poder contar com a presença assídua da ZC, perguntámos-lhe se ela era passageira frequente. É que podia ser mas viajar noutra carruagem:
- Não. Quase nunca venho. Hoje vim ao médico. É que fui operada à mão.
E mostrou uma das mãos com um dedo todo cosido num zigue-zague infindável de pontos que mais parecia o pesponto duma bainha. Mais uma vez, o VM, que já devia ter aprendido quando é que se fica calado, perguntou:
- Um problema nos tendões?
- Não. Cortei-me com uma faca. Um dia, o meu marido estava a falar para mim, a chatear-me a cabeça, e eu estava a descascar batatas. Comecei às facadas às batatas, a faca partiu-se e eu cortei-me.
Aí, o VM arrependeu-se, encolheu-se na cadeira e tentou rematar a conversa:
- Pois, são coisas entre as mulheres e os maridos.
- Sabe quando é que eu ficava feliz? Quando o visse estendido numa cama em coma profundo!

Oriente.
O comboio pára. Saímos. Eu incluído que nesse dia precisava sair no Oriente. Eu, o VM e o Aluno do Escritor, seguimos uns momentos lado a lado sem dizer palavra. A ZC, com a sua elegância, a crueza das suas palavras e a contundência das suas teorias, tinha chegado para nós. Em diversão e em apreensão.

É assim, o Clã do Comboio, uma caixinha de surpresas. E agora vou trabalhar para ganhar dinheiro para dar à minha mulher e a seguir vou lavar a loiça e depois vou para a cama... dormir! Nisso, sou bom. Muuuiiiito bom!

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