O Clã do Comboio - Para Mais Tarde Recordar

Para Mais Tarde Recordar
O Clã do Comboio está a tornar-se um caso sério de camaradagem em viagem. Camaradagem e boa disposição. E, mais do que tudo o resto, comporta-se, cada vez mais, como um clã. Um clã de atenuar o tempo das nossas vidas que decorre em transportes públicos e, muito em particular, no comboio.

Uma destas tardes, no interregional das 18:18 deu-se uma sucessão de sucedidos absolutamente invulgares e que nos ajudam a conhecer melhor as personagens e o espírito do Clã.

Quando entrei na carruagem em Santa Apolónia, só lá estava a Mulher Vampiro e, como acontece de tarde, ao contrário do que acontece de manhã, ia muito bem disposta. Não estava no seu banco. Estava de frente para ele. E porquê? Porque o seu banco estava ocupado por um simpático moço. Eu não sabia que ele era simpático, mas vim a saber mais tarde. Pensei que a viagem ia ser tranquila. Enganei-me. Ainda não me tinha sentado, entrou um dos três amigos que querem salvar o mundo, o RB, que, além de muito bem disposto, vinha perfeitamente irrequieto. Trazia com ele o JA. O JA é um simpático e pacato amigo dos três amigos que querem salvar o mundo que, de vez em quando, é vítima da companhia deles. O RB trazia a cabeça cheia de teorias para salvar o mundo de pessoas como ele e o VM! Enfim, lá foi dizendo o que é que o FMI devia fazer, quais as melhores medidas e, em menos de nada, informou o rapaz que ia sentado no lugar da Mulher Vampiro que ele era um usurpador de um lugar cativo. O moço riu-se e, imagine-se, ofereceu-se para ceder o lugar! Eu não disse que ele era simpático? Até sair, em Santarém, lembrámo-lo para aí uma cinquenta vezes que ia num lugar que não lhe pertencia. Acho que ficou convencido porque, quando saiu, praticamente obrigou a Mulher Vampiro a voltar para lá. Ela voltou e o mundo ficou um lugar melhor para se viver.

Toda a viagem teve uma outra novidade: a Rapariga do Riso Fácil. A ela dedicaremos um texto exclusivo, no entanto, era impossível não referi-la nesta viagem por algumas razões. Primeiro, porque tem, de facto, o riso fácil. Até se ri das piadas do RB! Depois porque gostou daqueles ferros a bater que a Mulher Vampiro leva nos ouvidos e a que chama música e, por fim, porque é uma figura que promete ser inspiração fértil para o Escritor. Senão vejamos, logo na sua primeira viagem enquanto elemento cooptado para o Clã, insultou o Escritor com comentários depreciativos a fingir que eram graçolas.

Ora, o ponto alto da tarde foi quando deu um ataque de mímica à Mulher Vampiro. Primeiro, confrontada com o facto inegável de que já tinha sido vista a babar-se enquanto dormia no interregional das 7:18, imitou uma pessoa a dormir e a babar-se. Depois, para mostrar que babar-se não era o mais ridículo que lhe podia acontecer, demonstrou como era uma pessoa, ela, a limpar os dentes com a língua. E fez o gesto! Ou isso, ou estava mesmo a precisar de limpar os dentes. E, por fim, cúmulo dos cúmulos, fez aquilo a que nós chamámos bambolear-se. Enfim, enterrou-se pelo banco a dentro num ritmo sambado de abanar-se para a direita e para a esquerda. Acho que a ideia era provar que os bancos são confortáveis. Nós achámos que a viagem tinha atingido o extremo do ridículo mas o rapaz que ia ao lado da Mulher Vampiro, vá-se lá saber porquê, fez o mesmo gesto e disse:

- Bambolear é bom!

A Rapariga do Riso Fácil, em vez de ficar envergonhada com tudo isto, gostou! E prometeu voltar no dia seguinte. E voltou! Enfim, há pessoas que sofrem por gosto.

O certo é que foi um fim de tarde diferente, muito marcado por alguma excitação antecipatória de fim-de-semana, com as teorias absurdas do RB e as suas piadas sem piada, as loucuras da Mulher Vampiro, o riso da Rapariga do Riso Fácil e a estupefacção de algumas pessoas decentes que não nos conheciam. No final, contudo, o dia de cada um pareceu ficar mais leve, mais harmonioso, como se os deuses nos tivessem sorrido.



Nota: Ouvi falar pela primeira vez num almoço do Clã do Comboio. Provavelmente nunca vem a acontecer, mas não será pior referi-lo para memória futura!

NetWorkedBlogs