A Resiliência do Terremoto

A Resiliência do Terremoto

Às vezes, por entre os poemas e as histórias de viagem e os capítulos dos romances, surgem-me umas crónicas sociais. Esta é mais do que isso. É uma crónica social, mas é também uma reflexão libertina e pouco rigorosa. Não se apressem a criticá-la. Seria tarefa demasiado fácil. Ora, conhecendo o seu autor as fraquezas dos fundamentos do texto, porque o publica? Porque quer. E razão mais genuína não há.

Tanto quanto me apercebi, na altura e nos anos subsequentes, a União Europeia foi criada por questões de segurança, coesão financeira e comunhão cultural. Ando com a sensação de que, nos últimos tempos, a comunhão cultural anda muito afastada do quotidiano da União Europeia. Os países membros respeitam as suas diversas culturas, mas não me parece que possa falar-se de comunhão. Visitarmos livremente os museus uns dos outros ao Domingo não é comunhão cultural, é turismo barato. Transitarmos livremente entre os países não é comunhão cultural, é livre circulação e termos países asiáticos no Euro Festival da Canção não é comunhão cultural, é só parvoíce sem sentido. A comunhão cultural pressupõe um pensamento identitário de base que não existe. Um francês é um francês, não é um europeu. Como é que eu sei? É simples. Nenhum francês se põe debaixo da Torre Eiffeil a dizer "Esta torre é da autoria de um europeu e está na Europa." Se bem conheço os franceses, a Torre Eiffel, o croissant, o Molière, os crêpes Suzette e o champagne são franceses e não têm nada a ver com a Europa.

Quanto à coesão financeira, a coisa ainda é mais grave e gritante. Senão vejamos: a principal bandeira, o principal sinal e o elemento mais estruturante da tal coesão financeira é a moeda única. Ora, a União Europeia deve ser dos poucos casos de moeda única em que a moeda única não é única, ou melhor, não é para todos! E o mais engraçado é a razão que levou os ingleses a não aderirem à moeda única. Defendam as teorias que quiserem, mas a verdade, a verdadeira verdade, é que Sua Majestade, a Rainha, não pode ser súbdita do... Parlamento Europeu! E pronto. Aí está a coesão financeira refém de um capricho. Mas há mais. Eu posso estar enganado, mas a coesão financeira era suposto fazer com que as pessoas vivessem melhor. Pois bem, exceptuando a malta dos fiordes e dos Mercedes, o resto dos irmãos europeus, que é a maioria, não está nada bem. A França ardeu em protestos sociais, a Grécia está famélica e desempregada, a Itália a um passo da bancarrota e no caos financeiro, a Bélgica arruinada, a Espanha na falência, A Irlanda falida e Portugal... bem, Portugal, ao que parece, vai cumprir. Eu, pelo menos, ando a fazer a minha parte todos os meses. O engraçado é que esta ideia da coesão financeira até funciona, mas só funciona para alguns. É o caso daquele país que teve a genial ideia de vender fragatas e submarinos e armamento à Grécia com base no pressuposto da ameaça dos cipriotas que não têm onde cair mortos. E vai daí, vendeu o armamento e emprestou o dinheiro para a compra a juros elevadíssimos. Esse mesmo país faz parte dos países que participaram na "ajuda externa" e agora exige milhares de despedimentos, caso contrário não segue a próxima tranche. Esse mesmo país deve à Grécia, desde a Segunda Guerra Mundial, uma soma superior à dívida da Grécia que agora tão rigorosamente está a ser cobrada! Sobre coesão financeira estamos conversados! De resto, no âmbito da coesão financeira, o conceito de "ajuda" é o que mais me tem fascinado. Eu não sei bem se é ajuda ou extorsão! Quando uma ajuda leva o ajudado à fome, ao desemprego, à crise social e à bancarrota, então, meus amigos, com franqueza vos digo, não se trata de ajuda. Ainda assim, e no nosso caso, como somos gente cumpridora e de palavra, espero que a ajuda nunca venha a ser mais do que isso mesmo!

E falta uma breve referência à segurança. Efectivamente, na Europa vive-se com assinalável segurança. Não há inimigos nem ameaças externos. O problema é que cresce internamente a insegurança. Não é a insegurança de quem vai ser invadido, mas é a insegurança decorrente dos preocupantes e crescentes níveis de marginalidade e criminalidade. A fome e a insuficiência levam os seres humanos, europeus neste caso, à prática dos mais condenáveis e sancionáveis actos. E aí temos dois problemas. As nossas polícias estão desautorizadas e têm pouca capacidade de acção neste combate e a causa do mal não está a ser atacada, pelo contrário, está a ser agravada e nos próximos tempos tudo indica se irá agravar ainda mais por essa União Europeia dentro.

Chegado aqui, só falta explicar a escolha do título desta crónica. Todos nós conhecemos e nos deparamos frequentemente com chavões. Frases feitas que ficam sempre bem num discurso ou numa conversa de café, que não querem dizer grande coisa, mas que toda a gente aceita sem questionar, talvez porque, afinal, queiram dizer alguma coisa. Alguma coisa universal. Uma delas é "A História repete-se."

Sobre a repetição da História o raciocínio é simples. A História ensina-nos que o advento destes factores conjugados em clima de insatisfação e crispação social rapidamente se estende à esfera política e com facilidade desemboca em conflitos bélicos. Ou seja, as pessoas aguentam, mas não aguentam tudo. A destruição dessa tecitura social a que chamamos Classe Média é catastrófica. O aumento de impostos, a redução do poder de compra, a ausência de crescimento económico, o desemprego, a fome, a marginalidade acabam por estoirar na mão de quem pede sacrifícios quando os sacrifícios são incomportáveis. O interessante, ensina também a História, é que os momentos de pós-guerra são momentos de grande renascimento económico, de grandes forças laborais, de reestruturação política e de resiliência social. No fundo, em raciocínio arriscado, aquilo de que estamos a precisar é de uma guerra. Ora, aqui temos outro problema. A Europa está farta de guerras e Portugal está povoado de gente pacata e pouco dada a guerras. Já nos chegam as do passado. E isto, sendo bom, é muito mau porque funciona como bloqueio à tão ansiada resiliência social. Precisamos unir-nos em torno de uma motivação colectiva forte, em torno de um calamitoso motivo de união e regeneração social. Algo que nos faça reequacionar as prioridades e nos permita reerguer. Claro que, para tão ambicioso propósito, um campeonato europeu de futebol, mesmo com bandeirinhas nas janelas, já não é suficiente. Resta-nos, assim, outro grande impulsionador de regeneração político-financeiro-social: uma grande catástrofe natural. E quem pensa em Portugal e em catástrofe natural, pensa em quê? Pensa no terremoto que em 1755 assolou e devastou Lisboa e que, de resto, os cientistas prometeram se iria repetir...

Isto pode parecer-vos insensível, mas não é. E contra mim falo que trabalho ali à beirinha do Tejo e seria dos primeiros a ser engolido pelas águas furiosas do mar e do rio galgando cidade dentro. Como nos filmes de ficção, a ponte sobre o Tejo colapsaria, a água inundaria a cidade até ao Marquês de Pombal arrastando tudo consigo, o tremor derrubaria edifícios, ficaríamos sem transportes, sem luz eléctrica e sem abastecimento de água. Adeus computadores e redes sociais, adeus títulos e importâncias, adeus tudo. Olá vida nova! Três terríveis minutos depois, Portugal seria um país novo, uma nação em franca regeneração. Choravam-se as vítimas, "Coitado do Videira, era bom homem, isto é uma desgraça, uma grande desgraça!", e depois seria precisa mão-de-obra, materiais, apoios civis e militares e... desde a indústria da habitação à banca, passando pelos serviços e pela organização política, teríamos de reinventar um país que é exactamente o que estamos a precisar de fazer agora.

É por isso, meus amigos, que Portugal vive uma encruzilhada, um duplo e ciclópico desafio: pagar ao FMI ou enfrentar a resiliência do terremoto. O único problema é que nenhum dos dois parece depender da nossa vontade!
jpv

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