Curtas do Metro - Contradição Vocabular

Contradição Vocabular


Há já muito tempo que não presenciava um daqueles fugazes, mas insubstituíveis momentos no Metro em que, da amálgama de normalidade, emerge uma situação digna de nota. Esta, vale pelo requinte vocabular.

Foi ao fim da tarde, na plataforma da linha amarela no Marquês de Pombal. Eram três senhoras com a idade situada ali no fim dos trinta, princípio dos quarenta. Duas estavam muito bem vestidas, cabelos arranjados, maquilhagem aprumada. E vociferavam para a terceira que estava vestida de forma mais humilde e penteado mais descuidado. Tentavam provar-lhe por A mais B que uma colega lá da clínica era desleixada, preguiçosa, não colaborava nem fazia nenhum e, ainda por cima, era queixinhas. E falavam para ela como se estivessem a ralhar com a outra. O discurso era audível e algumas pessoas sentiram-se incomodadas. Outras sorriram. E os sorrisos tinham a ver com o facto de os berros irritados delas serem produzidos em tom elevado e exaltado, mas com um sotaque afectado de "tia".

Ora, o verdadeiro contraste aconteceu quando a moça de aspecto mais humilde e desgastado fez uma última tentativa para defender a ausente. Aí, nesse momento, a mais produzida das queixosas levantou a voz e exclamou em tom muito VIP:
- E a tipa foi fazer queixa ao Dr. Ricardo, que eu não estava lá!... Então uma gaja já não pode ir fazer xixi?!

Risos abafados em volta.
Eu achei piada à contradição vocabular. É que a acompanhar com "gaja", "fazer xixi" é muito suave. Ou bem que endurecia a formulação do "fazer xixi", ou bem que suavizava a "gaja" e dizia, por exemplo, senhora gaja...

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