ErotiKa - No início não era o Verbo


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No início não era o Verbo

Por arrogância de tipo intelectual e errância assumida, vieram os homens a convencionar a divisão da História em duas macro-partes. A Pré-História e a História. E fez-se esta divisão com base num marco e num princípio. O marco é a escrita. O princípio é o de que, com a escrita, pode registar-se. Como tal, considerou-se História ao que houvesse para contar daí para a frente. Nada mais errado. Por várias razões. Primeiro, quando nasceu, a escrita não foi logo usada para organizar os factos entre os homens acontecidos. Segundo, porque antes da escrita já havia escrita. Outro tipo de escrita, bem entendido. E, por fim, e mais importante argumento de todos, para nós, neste contexto, antes da escrita já havia histórias para contar. E é precisamente uma dessas histórias que contaremos agora. Uma história do tempo em que os homens não escreviam, habitavam grutas, caçavam, recolhiam frutos, copulavam por instinto, comunicavam por urros e gritos e gestos.


O dia raiava com frouxa luz, o sol tinha ainda algum caminho a fazer antes de vir aquecer as carnes dos homens e dos animais. Dentro da gruta há já movimentos de acordar. Algumas fêmeas levantam-se, aconchegam as crias, aquelas que as têm, e dirigem-se em grupos a um curso de água frágil e escasso que atravessa a custo este vale árido, de vegetações secas e agrestes, rochas grandes e imponentes. As rapinas de largo porte cruzam os ares no ensejo do despertar das presas e do saciar das sedes matinais. As mulheres aproximam-se, ficam com a água correndo límpida e marulhante pelos tornozelos. Ajoelham-se e com as mãos em concha trazem a água à boca e quando estão assim bebendo, tombadas para a frente, são surpreendidas pelos machos que as perseguiram desde a gruta e as copulam por trás. Algumas, por razões que a Natureza percebe, evitam-nos e fogem-lhes. Outras deixam-se ficar. Não sabem como, nem porquê, mas sabem que chegou o tempo. A dança é rápida. Os grupos de mulheres regressam à gruta e revezam-se como se revezam seus perseguidores. Polígamos, eles. Poliândrias, elas. Todos sem pecado respondem ao instinto da carne e da continuidade da espécie. Não há nisto sexo, nem prazer. Há um copular matinal e fugaz, uma vezes profícuo e outras sem fruto. Este é o estado das coisas. Não é bom, nem é mau. É como é e assim perdura há muito tempo e por muito mais perduraria não fosse dar-se o evento que originou esta história.


É cedo. Este e aquele e o outro e mais um bem constituído e outro mais baixo e ainda uma meia dúzia mais como eles saem de manhã para caçar. É importante, a caça. Longe estão os dias em que será um desporto desigual enfeitado com armas de fogo. Aqui, é uma atividade de que depende a sobrevivência de todo o grupo. A carne que se come, as peles que se vestem e calçam, as tripas com que há de atar-se, os dentes com que se corta e raspa, os ossos com que se ampara, bate e martela. Tinham aberto um buraco mal desenhado e pouco profundo no chão, mais como uma vala oval, correram, gritaram, urraram, bateram com paus no chão e na vegetação até isolar um búfalo da manada, assustaram-no e encurralaram-no, palavra fora de tempo, esta, que usamos à falta de melhor, até que se viu no fundo da cova rodeado de homens, de carne comedores, e apedrejaram-no e atiraram lanças com sílex na ponta e quando a besta sangrava e parecia ceder das agressões e do cansaço, saltaram-lhe em cima e acabaram de a matar e esquartejaram-na e dividiram-na e vieram as mulheres que carregaram o prémio em alvoroço. E não sendo isto feito por prazer, agora será consumido o animal e haverá um período de tréguas até que seja necessário caçar de novo. Até lá, recolhe-se lenha que se acumula em pilhas, apanham-se folhas e frutos e animais de pequeno porte e pesca-se à vista no rio. As noites, de luz a luz, são longas e os homens e as mulheres dormem encostados uns aos outros indiscriminadamente amontoados.


O dia nasce esperançoso. É preciso caçar de novo. E lá vai e
ste e aquele e o outro e mais um bem constituído e outro mais baixo  e ainda uma meia dúzia mais como eles desde que sejam úteis e correm e gritam e urram e separam um búfalo da manada e acometem-no encurralam-no na cova que haviam escavado para ele e estava o animal entrando nela assustado quando faz uma última tentativa pela sua vida, vira-se repentino e investe sobre um magote de homens que se aproximavam ávidos, e quis o destino que na investida fosse colhido um dos homens na zona interior da coxa que ficou arranhada e cortada assim como o pénis golpeado. A caçada continuou e terminou-se. O homem tombado teria ali ficado se não conseguisse levantar-se. Mas conseguiu. Era forte e possante e coxeou até à gruta. Indistintamente e por uma estranha e natural organização, as mulheres vieram buscar a carne e demais produtos e trataram dela e deles e duas das mulheres dedicaram-se a curar o caçador ferido. Foram colher bagas e depositaram-nas numa pedra côncava junto ao rio e com outra pedra esmagaram-nas e amassaram-nas com água e, chegadas junto do caçador com a massa nas mãos, untaram-lhe a perna sangrante e o pénis arranhado. E ele ficou ali sentado durante alguns dias, comendo menos do que os outros, até que a massa curativa começou a perder a cor. Uma das mulheres aproximou-se dele para o limpar. E baixou-se e ajoelhou-se e lambeu-lhe o interior da coxa ferida e lambeu-lhe o pénis. E quando o fez, notaram ambos que ele teve a mesma reação das manhãs junto ao rio e ela continuou lambendo até que ele não se conteve e ela saboreou o que nunca antes mulher alguma saboreara.

O tempo passou e o caçador possante pôs-se melhor e combinou-se a primeira saída para caçar após o seu acidente.


É manhã, as aves anunciam o dia, as rapinas perscrutam as margens do rio, e
ste e aquele e o outro e mais um bem constituído e outro mais baixo e ainda uma meia dúzia mais como eles saem em grupo para a faina do animal grande. Caminham lado a lado, uns. Outros mais à frente e outros mais atrás. E o da frente vira-se para trás e mesmo sem haver números nem matemática, à época, já se sabia contar e contou-os e faltou-lhe um. O caçador possante. Regressam em alvoroço, irrompem pela gruta e ele está sentado, recostado contra a rocha polida e ela está ajoelhada à sua frente, tombada sobre o pénis lambendo-lho em movimentos de vai e vem mais lentos do que o habitual. Eles param surpresos por estar a ser tratado o homem que já não precisava de tratamento e viram-lhe as costas e vão à sua vida. Eram simples e imediatas as decisões antes dos homens as complicarem. Ela continua o movimento, ele ajuda-a com uma mão na nuca, ela volta a saborear o líquido de que só ela conhece o sabor e o pénis dele mostra-se à luz da manhã ereto e limpo, sem massa de bagas esmagadas nem ferida que a justificasse. Levanta-se. Sai à rua. Ergue o olhar para o dia. Enche o peito de ar e esperança e larga a correr em busca dos outros.

Hoje, tudo parece mais fácil.

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