O Clã do Comboio - 4 Sogras e 1 Velho

4 Sogras e 1 Velho

O dia fora intenso. Eu estava exausto. Regressei num comboio tardio. Regional. Pedi a Deus que não tivesse companhia ou que, a ter, fosse silenciosa. De preferência, que evitasse sentar ao pé de mim faladores como eu ou gente ao telemóvel com a vida a ficar-se toda a saber de ponta a ponta da carruagem. Deus anda com problemas de audição. Não me ouviu. Mas isso eu compreendo. Só acho que não era necessário mandar-me 4 sogras e 1 velho.

Entrei em Sta Apolónia e sentei-me numa zona de seis lugares, três frente a frente. Primeiro entrou a sogra pacata. Sentou-se à minha frente em silêncio. Era baixinha, cabelo arranjado e óculos de lente fumada com aros amarelos. Depois entrou a sogra esperta e sentenciosa. Cabelo curto, mas farto, puxado para trás e preso com uma bandolete. Óculos retangulares, casaco verde. Com ela vinha um velhote de barriga redonda e larga, nariz farto e vermelhusco e um ar complacente e tranquilo. Arrancámos em silêncio. No Oriente sentaram-se ao pé de nós a sogra faladora, esguia, com o cabelo ralo e uns brincos de ouro, e a sogra nova, uma mulher de cabelo encaracolado, perna roliça, estatura alta e larga. Não tinha cinquenta anos. Longe disso. E foi por causa dela que tudo começou. A sogra faladora com os brincos de ouro era mãe da sogra nova e disse alto e bom som a frase enigmática:

- Sabes, ela ainda não se apercebeu de que é nora, mas um dia também vai ser sogra!

A sogra esperta e sentenciosa não deixou escapar a oportunidade e disse para a sogra faladora com brincos de ouro:

- É uma nora sua...
- Não! É dela!
- Dela?! Mas ela não tem idade para ser sogra!
- Mas é!
- Pois então, deixe-me dar-lhe um conselho: tenha cuidado! Tenha muito cuidado!

E a sogra nova falou pela primeira vez:

- É melhor é... mas eu não lhe fiz mal nenhum.
- Nem é preciso. Você é sogra dela. Elas acham que conhecem os nossos filhos melhor do que nós.

E a sogra faladora com brincos de ouro acrescentou:

- Mas nós é que somos as mães deles!

E foi então que a sogra pacata falou. Olhou por cima dos óculos e disse baixinho como se o que ia dizer fosse muito importante:

- As mães e as mulheres!

As outras entre-olharam-se em silêncio a confirmar se o que a outra tinha dito era verdade, se todas eram sogras e noras ao mesmo tempo, ou seja, as vítimas dos males e a causa deles, e devia ser porque elas calaram-se sem resposta e aí a sogra pacata atacou na sua versão de nora extremosa:

- Nunca tive razão de queixa da minha sogra. Era uma santa de uma senhora. Sempre nos demos bem.

A sogra esperta e sentenciosa não aguentou e disse:

- Pois, ele há sempre exceções.

E virou-se outra vez para a sogra nova acrescentando:

- Tenha cuidado. Tenha muito cuidado!

O velho ia a ouvir aquilo tudo com paciência de santo. Notava-se que estava um bocadinho constrangido, mas interessado. Ia olhando para o exterior e para o interior não querendo mostrar muito interesse no assunto. E foi então que a sogra faladora com brincos de ouro disse para a sogra esperta e sentenciosa:

- O seu marido não fala muito, pois não!
- Os homens não se metem nas conversas das mulheres.
- Pois não. Têm medo de entrar e sair mal tratados.
- Chamuscados!

E largaram as quatro a rir. Quando terminaram, a sogra pacata acrescentou olhando para mim:

- E vamos a aborrecer este senhor...
- Não vamos nada, ele tem cara de boa pessoa!

O velho fixou definitivamente o olhar no exterior. Eu sorri, saquei do meu caderno e vim escrever a história das 4 sogras e 1 velho.

NetWorkedBlogs