A DÚVIDA – CAPÍTULO XII



À medida de caminho, que piso as pedras claras da calçada, sinto-me como elas. Frio e abandonado entre semelhantes, parte de um puzzle de que não conheço todo o desenho. E levo comigo a documentação do divórcio. E, contudo, não deixo de sentir no meu intimo que há algo de desnecessário em tudo isto. E se ela estivesse a ser honesta? E se não houvesse nada entre ela e o Sebastião? Se o seu amor ainda fosse apaixonado e sincero? E se esta hesitação que sinto fosse ainda amor verdadeiro? Se, onde vi hábito, estivesse uma rotina a corroer o quotidiano, mas não a falta de amor? É curioso. Passei tanto tempo a duvidar, senti tanto tempo o peso da dúvida dela, tomei decisões sérias e definitivas por causa da dúvida e das suas consequências e é agora, a caminho do tribunal, a caminho de assinar a papelada que põe termo a tudo, que duvido da dúvida!

E nunca lhe dei razões para duvidar de mim! A minha cunhada nunca passou de uma fantasia minha. A minha secretária foi sempre só isso. Acabei mesmo por dispensá-la para a Bela descansar a cabeça, nenhuma outra mulher alguma vez me interessou e é terrível pensar que da parte dela pudesse tudo ter sido análogo. Seria um golpe cruel do destino. E só seria possível se fossemos fracos e incrédulos.

Talvez ainda lhe pergunte uma última vez...

Lá vem ela, traz o advogado, claro, e... como não podia deixar de ser, o Sebastião. Mas  em que é que eu estava a pensar? Onde é que tinha a cabeça? Olha-me aquele paspalho e as suas maneiras gentis e delicadas com ela, está a tentar provar-me o quê? E ela? Porque é que tinha de trazer aquele tipo com ela?

Nem sei como duvidei da dúvida. Não vou perguntar-lhe coisa nenhuma. O que está feito está feito, está feito e está bem feito.

Ainda demorou um bocado. Estou exausto. Acho que só agora reparo que hoje está sol. Há em mim um sentimento misto de libertação e desperdício. Acho que a vida é feita de decisões. Acho que nunca sabemos se vamos decidir bem ou mal e, mesmo depois de ter decidido, a qualidade da decisão afere-se pela forma como vivemos com a realidade que ela própria configurou.

No amor, ama-se ou não. Dedicamo-nos ou não. Duvidamos ou não. Decidimos ou não. Aceitamos ou não. Não há vencidos nem vencedores. Há só a vida que construímos com as nossas atitudes. O que ficou para trás não volta. O que temos pela frente é a vida que resta viver. Não importa se muita ou pouca. Importa se é bem vivida. Vivida de acordo com aquilo que somos, que queremos ser. Temos de nos descobrir. De aceitar quem somos e viver com isso.

Bem, vou tomar um café. Já mereço. E vou viver. Também mereço. Com certezas. E com dúvidas.

------------------------------- FIM --------------------------

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