O Clã do Comboio - Frutinha Fresca e Dulce Pontes



Frutinha Fresca e Dulce Pontes


O Clã do Regional é diferente. Embora, na essência do seu comportamento, seja idêntico, há aspetos do dia-a-dia em que, naturalmente, difere. Um deles, já aqui referido, tem a ver com o facto de levar muito mais gente. O outro, também interessante, é a elevada taxa de professoras que viaja no Regional. Também viajam professores e pessoas de muitas outras profissões, mas, sem dúvida alguma, grande parte da população viajante do regional são professoras. Do 1º Ciclo.

Um dia destes, sentaram-se duas à minha frente. Uma mais nova, antes dos trinta, cabelo castanho liso, casaco de fazenda grosso, em verde seco, calças de ganga e uns óculos retangulares de massa preta. E falava, falava, falava... sempre de trabalho. Sempre dos seus projetos e atribulações. E falava, falava, falava. O interessante não foi ela falar pelos cotovelos, disso há muito no comboio. O interessante foi a frutinha toda que a outra comeu enquanto ela falou. Ela expunha, explicava, gesticulava e a outra ia dizendo, Sim, sim, pois, pois... e vai de estender uma mão à mala. E, sem olhar para a dita mala, abriu-a, desviou uns papéis, tirou um garfo inox, um saquinho de plástico, desatou-o e tirou lá de dentro uma tacinha com tampa. Destapou-a. E, enquanto a outra continuou a falar, ela comeu uma laranja previamente descascada e cortada em pedacinhos. Com garfo! Quando terminou, a outra continuou a falar. Então, ela, sem tirar os olhos da outra, tirou um guardanapo de papel do saco, limpou o garfo, fechou a taça, reenfiou-a no saquinho de plástico e meteu tudo na mala. E como a outra não se calava, ela, de novo sem olhar para a mala, tirou um paninho onde vinha embrulhada uma maçã e foi comendo-a lentamente. Quando terminou, sempre a olhar para a outra, arrumou o paninho na mala, levantou-se, tirou o casaco da estante e vestiu-o. O comboio parou e ela saiu. Já tinha comido a frutinha toda!

No lugar dela sentou-se uma moça com calças castanhas acetinadas, justas, um casaco de fazenda preto e o cabelo escuro apanhado atrás numa espécie de tótó. Tinha a boca pequenina e os lábios bem desenhados. Os olhos escuros e redondinhos sobre a pele clara. Quando a vi sentar-se, lembrou-me alguém, mas não soube quem. Pensei até que a conhecia, mas não. Era só uma parecença.

- Já alguém lhe disse que é muito parecida com a Dulce Pontes?
- Não, nunca.
E riu-se.
- Pois, mas é.
Estendi-lhe um cartão do blogue ao sorriso matinal e luminoso. Claro que levei uma cotovelada da Rapariga com Brinco de Pérola que me acha muito atrevido. E sou. Mas educado.

Ainda estive para perguntar-lhe se tinha a certeza que não era filha da Dulce Pontes, mas isso era capaz de ser um bocadinho exagerado. Vai daí, quando chegámos, despedimo-nos cordialmente e fomos às nossas vidas. Não pensei escrever este texto, mas, hoje de manhã, ia descansadinho no meu lugar e vi entrar no comboio uma moça que era a cara chapada da Dulce Pontes...

NetWorkedBlogs