Por causa dA Dívida - III



O melhor é calar-me um bocadinho, vê-se mesmo que ele vai a fazer o frete de me ouvir. No que diz respeito a carros, o maridinho trata-se bem. Este é muito giro. Nem sei o que isto é, mas gosto dos estofos e do design. Pelo aspeto deve ser bom. De resto, o que é importante é que seja bonito e este é liiindo! No que toca a carros, só gosto de escolher a cor. Só espero que ele não repare que estes sapatinhos Blahnik são novinhos em folha, senão vem logo com a conversa do dinheiro. Mas ele hoje está charmoso... e cheiroso... espero que se atire a mim no final da noite com aquela avidez que o carateriza. Já vou tendo pouca paciência para ele e a sua claque de seguidoras, mas na cama... na cama... é do mais afanoso e engenhoso e... como é que é aquela palavra... laborioso, é isso, é do mais laborioso que tenho visto... e se eu tenho visto muito! Aquelas delambidas é que me enervam... ele é sms, ele é telefonemas, ele é reuniões, saídas, visitas, inaugurações, vernissages... mas porque é que será que onde quer que ele esteja, aparece sempre uma das amiguinhas? É a Sandra, a Andreia, a Joana e a pior de todas... a Marlene... só me apetece arranhá-la toda... o telefone? Quem será agora? Hugo?! Este garoto enlouqueceu! Agora como é que disfarço isto?! Calma, Belinha, calma, tu consegues.
- Estou? Mané, querida, como vai? Então, rica, passa-se alguma coisa?... estou aqui com o Mário, o meu marido, vamos ao jantar de beneficência... não vai, rica? Que pena, pensei que íamos caturrar um bocadinho as duas... beijinho, beijinho.
Enfim, esperemos que ele não tenha reparado. Cá estamos, já chegámos, esta noite vou arrasar. A Mané está cá! Ai meu Deus, a bronca. Mas não era suposto ter ido à festa da Tété Barroso? Ai o Mário vai falar...
- Boa noite Mané, que surpresa, pensei que não viesse, aliás, ia jurar que a Belinha tinha falado consigo há uns instantes.
- Hã? Comigo? Claro, claro, sabe como são as mulheres, mudam de ideias rapidamente.
- E de roupa!
Meu Deus, ela bem tentou safar-me, mas agora tenho um problema pela certa... o melhor é mudar de assunto, vou falar das Maldivas, tem de ser em público, à mesa, sempre quero ver se em frente aos amigos se põe a dizer que não pode ser, não temos dinheiro, ou se come e cala... não tem dinheiro, não tem dinheiro, mas tem orgulho... e carros caros. Olha, olha, tentou chutar para canto a dizer que as Maldivas não estão na moda. Nem precisei fazer nada, foi abafado pelo resto da mesa a contradizê-lo. O Marecos Valdez até o desafiou para irmos juntos por causa da pesca grossa em alto mar... toma, toma... ai vai ser tão bom, tão bom... o meu cartão de crédito, amigo secreto,  tem de ser discreto em Portugal porque nas Maldivas vai dar-me um jeitão.

Olha a Marlene... esta, topo-a eu à distância, olha-me aquelas roupas, tudo a ver-se à transparência... já é falta de decoro... os brincos são giros, tenho de descobrir onde é que os foi desencantar... lá vem ela distribuir beijinhos, mas só no ombro do Mário é que a cabra pôs a mão... a etiqueta do sutiã visível sob o tule no ombro... o que é aquilo? Aquilo é o que eu penso? Chantal Thomass?! O mesmo que eu trago!!! Que o meu maridinho me ofereceu?! Não me digas que o tipo compra disto à dúzia...
- Olá Marlene, como está rica?
- Bem, muito bem, então como é que havia de estar numa festa?
- Um Chantal Thomass... não dá para não reparar...
- Foi um presente.
Cabra, cabra, mil vezes cabra. E este mentiroso vai pagar-mas todas! Ai andas com dificuldades e compras lingerie de luxo à Marlene, ai é? Ai é assim? Então espera, espera que não tarda estas dívidas vão parecer-te poucas! Ora, deixa lá ir à casa-de-banho fazer um telefonemazinho...
- Estou? Hugo? Como está o menino?... bem, enfim, quase bem. A festa está uma seca. E esses músculos? Continuam firmes? O menino é uma tentação... olhe, querido, lembra-se daquele fatinho Armani de que me falou?... é seu! E a gravatinha CK, lembra-se?... é sua! E aquele relógio, como é que era a marca? Aquele do nome difícil de dizer... isso, isso, esse, o tágue auér, aquele esquisito com os brilhantes... olhe, fazemos uma loucura, é seu! Caro? Quanto? O quê? Dois mil euros no seu pulso não é caro, é um prazer! Olhe, querido, saímos amanhã à tarde? Claro, vamos pela linha, compramos-lhe uns miminhos e depois vamos verificar o estado dessa musculatura... que me diz? Claro! Beijinho, beijinho...

Lá volto àquela maldita mesa, deixa-me lá fazer uma entrada arrasadora...
- Ó maridinho, você está um gatão. Hoje quero dançar consigo. Aqui e lá em casa também!

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