- Sim aí, sim aí, sim, isso mesmo, isso, isso!
Este miúdo é
um prodigio. Vale cada cêntimo que gasto com ele. E aprende depressa. É
voluntarioso. Meu Deus, faz-me tremer toda. Acho que já fui à lua umas três
vezes. É para aquela amostra de marido não se armar em espertinho. Este miúdo é
mesmo uma maravilha. Estes músculos, este cheiro e este vigor… meu Deus, não sei como é que ele aguenta tanto tempo… deve ser um milagre da Natureza. Deixa-me
cá retribuir-lhe a generosidade com uns mimos.
É tardíssimo.
É hoje que o Mário me vai fuzilar com perguntas sobre onde é que andei, com que
é que andei, quanto é que gastei. Está um chato. Mas isto está muito sossegado…
será que já dorme? Deixa lá ver no quarto. Aquele malvado ainda não
chegou a casa! Querem ver que quem faz as perguntas sou eu… deixa lá ir
tomar um duche… pelo menos isso levo-lhe de vantagem. Este duchinho e o suminho
de laranja souberam mesmo bem… e o meu maridinho que não aparece… Ah, finalmente!
- Olá maridinho! Isto é que são horas? Estou
aqui há séculos à sua espera. As suas amiguinhas andam a retê-lo muito.
- Acha que são as minhas amiguinhas? Hoje foi uma
velha amiga que me reteve, chama-se Contabilidade, já ouviu falar?! Estive
a conversar com ela toda a tarde e toda a noite e tivemos uma conversa tão
esclarecedora que amanhã de manhã vou mandar cancelar os seus cartões de
crédito. Todos!
- Não seja assim. Eu só os uso para as minhas necessidades
básicas.
- Sapatos a 1400€ o par não são necessidades básicas, Bela. A situação é grave.
- Então, mas há coisas sem as quais não podemos viver. Por
exemplo, o meu maridinho não pode viver sem os meus cartões de crédito. Para si, são uma
necessidade básica, garanto-lhe.
- Bela, tome juízo, não sei o que está para aí a dizer. Não
está a fazer sentido…
- Ah não?! Então eu explico. Se eu não tiver os meus
cartões de crédito, não faço umas comprinhas, uns sapatinhos, um vestidito, não
vou a uns lanches com as minhas amigas e fico triste. A tristeza, por sua vez,
provoca estados de depressão, a depressão torna as pessoas cabisbaixas,
soturnas, menos dinâmicas, reduz drasticamente o desejo sexual. Há mulheres que
chegam a andar aos seis meses, até mesmo um ano, sem … o maridinho sabe. E é
aqui que entramos na esfera das suas necessidades básicas. Já percebeu agora ou
quer que lhe faça um desenho?!
- Isso é chantagem, manipulação da pior espécie…
- Manipulação, pedipulação, labiopulação, cinturapulação, é
uma pulação geral, mas só se eu não andar assim… como é que eu hei de dizer…
triste… deprimida!
- Bela, Belinha, querida, nem vá por aí… a situação é
catastrófica, ando a fazer uma ginástica terrível para pagarmos as contas…
- A ginástica faz-lhe bem. Está a ganhar uma barriguinha. Mas,
olhe, se está preocupado, corte três dias nas Maldivas, vamos só doze, mas
depois não me venha dizer que quer ir apanhar peixes com o outro…
- Não é nada disso, Bela, não há dinheiro para nada,
precebe, para nada!
Muito bem.
Este senhor está a precisar de uma lição. Primeiro faço um beicinho, agora uma
lágrima, um ar tristíssimo, muito abatido e agora vou desatar aos gritos e
jogar os trunfos todos:
- PARA NADA?! NÃO HÁ DINHEIRO PARA NADA?! Então
explique-me quem sustenta as suas amigas?! E eu, pobre de mim, só queria ser sua, ser a única, é para si que
me ponho bonita, OUVIU?! Sim, eu sei que sai com elas, ou acha que eu não
vi o batom da Sandra na sua camisa VE que eu lhe ofereci no Natal
passado? E não me desminta que eu sei muito bem qual é o gloss que ela
usa. POBRE DE MIM, SÓ QUERIA TER UM MARIDO QUE GOSTASSE DE MIM… E a Marlene? Acha
que eu não reparei que ela trazia um Chantal Thomass na festa de
beneficência? E nem me fale do marido dela que só percebe de marcas de
carros e uísques. E o perfume dela na sua roupa? Acha que eu não sei
quando esteve ao pé dela? Acha? POBRE DE MIM, UMA DESGRAÇADA VOTADA
À ESCURIDÃO DA CASTIDADE E AINDA ME VAI TIRAR O MEU GANHA-PÃO! Mas,
lembre-se, enquanto as sustentar a elas, vai ter de me sustentar a mim e eu tenho
de ser a mais cara porque sou sua mulher, ouviu? Seu mulherengo sem
emenda! Ainda vai viver com uma delas e eu tenho de ir para … BAIXO DA
PONTE!
E agora faço aqui uma
choradeira a condizer, bato com umas portas do roupeiro e fecho-me na
casa-de-banho. A isso, ele nunca resistiu… eu não disse… lá está ele a chamar
por mim com aquela voz melada de gato que foi ao açúcar.
- Belinha, venha cá, não faça um drama, é que estou
preocupado, mas ninguém vai para baixo da ponte! Olhe, venha cá que tenho
um presente para si… foi por isso que me atrasei.
Um anel de safiras?!
Que liiiiindo! Magnífico! Este maridão tem cá umas saídas… e eu a
pensar que a noite estava perdida… o melhor é recompensá-lo… mas hoje estou tão
cansada… enfim, um sacrifício pelo matrimónio! E amanhã vou fazer a
Marlene roer-se de inveja… hei de lho esfregar naquele nariz impertigado!
- Venha cá à sua Belinha
que lhe quer dar um miminho e fazer as pazes consigo…
Este maridão ainda não
perdeu o jeitinho.
- Sim aí, sim aí, sim, isso mesmo, isso, isso!