O Clã do Comboio - O Sorriso Enigmático



O Sorriso Enigmático


Era tarde, quase 20h. Estava junto ao comboio olhando o vazio, descansando de um dia intenso, à espera de entrar. Fora um daqueles dias de tarefas inúmeras e infindáveis. De emoções fortes e contraditórias. Saudade, tristeza, alegria, entusiasmo, solidão. Uma profunda e inexplicável solidão. Como tinha, nesse dia, uma reunião de tom um pouco mais formal, de manhã saí de casa com um fato cinzento, uma camisa azul-clara e uma gravata azul-escura. E foi com esse fato-macaco que venci as tarefas e naveguei as emoções. E quando parei junto à carruagem, antes de entrar, foi para olhar a estação sob uma outra perspetiva. A de terminar. A de partir. A de mudar.

E foi então que ele apareceu. Teria cerca de setenta anos, cabelo branco, pouco, um polo castanho de manga curta, calças de ganga e sacos do supermercado antigos e usados, cheios de não sei o quê, em ambas as mãos. E começou a olhar para mim. Olhei de volta e desolhei. Um curioso, pensei. Mas quando voltei a olhar para ele, ele continuava a olhar para mim insistentemente e a sorrir como quem tenta descobrir alguma coisa. E não parava de olhar para mim com aquele sorriso enigmático enfiado na cara. E foi por isso que fiz a pergunta que fiz e obtive como resposta uma outra pergunta e foi essa outra que me fez registar o episódio:

- Boa tarde. O senhor deseja alguma coisa?
- Você por acaso não é revisor?

E pronto. Um sorriso. Um, Não sou não senhor e a vontade secreta de nunca mais vestir aquele fato com aquela camisa. Não tenho nada contra os revisores, pelo contrário. Só não sou um!

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