- Autor? Sr.
João? Está a ouvir-me?
- Sim, estou aqui. O que me queres?
- É assim Sr.
João: o Marinho ficou a trabalhar tarde hoje e eu aborreço-me aqui sozinha em
casa. Então pensei que talvez o autor quisesse vir aqui … ter comigo … fazer-me
companhia…
- Está parva ou
quê? Onde é que já se viu um autor juntar-se com as suas personagens?
- Em muito lado. Além do mais, é bem comum a ideia dos
autores se reverem nas suas personagens.
- Pois, mas eu
não me revejo em si nem no parvo do seu marido. Esta história foi um erro meu e
da Dulce. O vosso destino é o caixote do lixo.
- Meu Deus! Tão drástico! Se tenho estas formas e esta
malandrice, a si o devo. E, além do mais, se me matar, morre também um pedaço
de si...
- Bem visto, a
Belinha não costuma fazer sentido, mas tem aí um argumento de peso.
- Vamos discuti-lo num jantar... Vá lá...
- OK. Amanhã,
num local público.
- Combinado.
Era um restaurante agradável que, sem ser de luxo
extremo, tinha as condições ideais para que, sendo uma refeição pública, fosse
privada também. Como o autor é ribatejano, foram jantar ao Remédio D’Alma, em Constância, Vila Poema. Havia velas e um frappé
junto à mesa com uma garrafa de champanhe. Ele foi de fato cinzento e camisa
azul-clara. Ela levava um vestido encarnado cereja, colado às formas sensuais
do corpo e um decote até ao umbigo num V imenso a convidar o olhar. E ela
convidou o olhar e ele conteve-se. Conversaram sobre esta história e ela terá
argumentado que o João e a Dulce tinham de a continuar porque essa seria a
única forma das personagens viverem. João, o autor, criticou-lhe o caráter,
assim como o de Mário e disse-lhe que estava determinado a pôr um fim a tudo.
Foi uma refeição agradável, pautada por uma conversa tranquila e suave e muita
sensualidade no ar. João, o autor, só pensava que a Dulce o havia metido num
lindo sarilho e Belinha tentava seduzi-lo até que arriscou:
- João, eu fiquei hospedada na Quinta de Santa Bárbara para não voltar hoje a Lisboa... é muito
acolhedor. Aceita um chá na Quinta?
- Está louca?
Acha que quero alguma coisa consigo?
- Não está a entender. A ideia é conversarmos com o Mário
e tentarmos resolver isto entre os três. Não é um passe amoroso, são
negócios...
- Não tenho
mais nada a dizer-lhe a ele do que lhe disse a si.
- Pois, mas quem sabe, entre homens, conseguem resolver
este impasse.
- Enfim, quem
já veio até aqui...
- Belinha, não
está aqui o Mário.
- Esperemos um pouco. Deve estar a chegar. Olhe, vou
fazer um chá para mim. São tão simpáticos, põem estas cafeteiras com as
saquetas... Também quer para si?
- Pode ser...
- Mário, Mário, venha cá, querido, o JP já dorme que nem
um anjo...
- Belinha, a menina é um génio. Esta ideia de o sedar com
o chá foi brilhante... Como é que despejou o pó?
- O pacotinho de açúcar, Marinho, não tinha açúcar...
- Hahaha! Sua malvada brilhante. Então e agora?
- Agora pegamos no caderno dele e escrevemos o capítulo
XI de “Por causa dA Dívida” de forma a assegurar o nosso futuro.
- Belinha, aí é que eu tenho as minhas reservas... Ele
vai estranhar a caligrafia, o estilo, não se vai lembrar de o ter escrito...
- Marinho, vocês, homens, são uns inúteis. Então acha que
eu não pensei nisso? Vá ao carro buscar a máquina fotográfica, a Polaroid que
cospe as fotos no momento. Está no porta-bagagem.
- Para quê?
- Deixe-se de perguntas e faça o que eu digo.
- Belinha, nem acredito no que estou a ver. A menina está
nua, completamente nua! E se o JP acorda?
- Não acorda nada. Eu dei-lhe dose de cavalo. Vá,
ajude-me a despi-lo.
- A quê?! A Belinha enlouqueceu?!
- Deixe-se de parvoíces e faça o que eu digo! Vá, ajude
aí a tirar os sapatos, as calças, cuequinhas, olha, tem o Diabo da Tasmânia nas
cuecas, isto seria promissor... a camisa...
- Ai Belinha, a menina intriga-me. Então e agora?
- Agora eu vou deitar-me ao pé do nosso autor, abraço-o,
ponho as mãos em sítios... quentes...
- Belinha!
- Cale-se! Não podem ser só sacrifícios, também tem de
haver algum prazer. Vá, tire lá as fotos. Assim, assim, sim, assim também...
- Belinha, a menina está a... tem mesmo de pôr aí a mão?
- Cale-se! É pela nossa sobrevivência... vá, tire as
fotos.
- Então e agora?
- Agora colocamos três fotografias destas aqui no caderno
do senhor autor João Paulo Videira e escrevemos assim: “Senhor autor, andou em grandes noitadas e muito bem acompanhádo. Acha
que esta sua escaldante escapadéla se pode turnar pública? É melhor não! Para
que tal não acontessa, basta que publique o capítolo XI de “Por causa dA
Dívida” que lhe deixamos aqui escrito no seu caderninho...”
- Belinha, isso é terrível, até deve ser crime!
- Deixe de ser parvo! Quem é que ia condenar uma
personagem de uma história? Vá, vamos lá escrever o capítulo, vamos lá salvar
as nossas vidas. Já sabe, quero ser rica. Isto vai ser assim, eu dito, o
Marinho escreve.
Por causa dA
Dívida – XI
- Autor? Sr.
João? Está a ouvir-me?
- Sim, estou aqui. O que me queres?
- É assim Sr.
João: o Marinho ficou a trabalhar tarde hoje e eu aborreço-me aqui sozinha em
casa. Então pensei que talvez o autor quisesse vir aqui … ter comigo … fazer-me
companhia…
- Claro que sim, quem podria rezistir aos seus
incantos...
- Sabe caro e
doçe autor é muito sensoal... deiche cá ver o mosculo... é firme!
- Belinha, você é uma Deuza... vou fazer de si uma
princeza.
- Isso é que é
falar.
E fizeram amor
tórrido em caza dela e João Paulo sintiu-se tão apaichonado que lhe oferesseu
um anel de brilhantes no dia seguinte. Belinha, avessa ao jogo, sintiu-se
inspirada e jogou no euromilhões e saiu-lhe uma fortuna e Marinho pagou as
dívidas e suburnou uns policias para apagarem os rastos dos seus pecados fiscais
e hoje vivem nas Maldivas num chalé com vista para o mar e de vês em quando
mandam um pustal ao seu amado autor.
--- FIM ---
- Dulce...
- Sim, JP...
- Preciso
contar-te uma coisa...
- Força, amigo!
Pareces preocupado. O que se passa?
- Nem vais
acreditar, Dulce, nem vais acreditar... estamos metidos numa bela alhada.