A Paixão de Madalena - Capítulo 1

A Paixão de Madalena

Livro I - A Paixão de Madalena

1. A tarde cai. Fenece a luz do dia. Um manto cinzento e triste cobre esta Terra que viemos habitar. Já o coroaram de espinhos. Já percorreu a última estrada. Caiu e levantou-se. Chegou carregando o seu próprio madeiro. Ao madeiro o pregaram. O madeiro ergueram. Do madeiro sangrou fundindo carne e sangue e lenha num só. Escarneceram dele com propostas materiais e impossíveis, Se és o Senhor, liberta-te daí! E não viram que não foi pela matéria que deixou pregar-se. Não foi a matéria que quis libertar. Ferido, cansado, acertadas as contas com o ladrão a seu lado, desceram o madeiro e descravaram-lhe o ferro da carne. A mãe o tem no colo e o limpa e o acaricia. E junto a ela outras mulheres de família ajudam a tratar o corpo do Homem, filho do Senhor e da Mulher escolhida para o entregar ao mundo. E entre elas uma outra mulher. Sem laços de família nem outro direito ao seu corpo que não fosse tê-lo amado. Madalena.

A mãe e as demais familiares podem reclamá-lo como seu, podem chorá-lo e todos acharão legítimo esse choro. Um choro de dor. Um choro de posse. Acredita o escrevedor humilde destas linhas que Cristo veio até nós para amar. Para ensinar-nos o amor e a salvação por ele. Acredita e sente-se confortável com tão nobre crer. E que Cristo seria o nosso se não conhecesse todas as formas de amor e, conhecendo-as, as não quisesse experimentar a todas? Sim, preferimos a ideia de um Cristo amador que amou tudo de todas as maneiras inclusive as mulheres à maneira dos homens. E, tendo-o feito, que outra mulher poderia ter sido amante de Si que não essa que se encontra aí prostrada, lavada em lágrimas de silêncio, limpando-lhe as feridas do corpo?

Sim. Amou Cristo a Madalena. E amou Madalena a Cristo. E outro laço não tiveram que a certeza desse amor. Cristo despojou-se do Seu corpo e entregou-lho. Madalena despojou-se da sua alma e ofereceu-lha. E enquanto as outras mulheres o limpam em gestos de posse, chorando a perda, Madalena percorre-lhe o corpo com um pano humedecido, limpa-lhe as feridas e reconhece-lhe as formas e fá-lo em gestos de desprendimento e dádiva. Deu Cristo a vida pela Humanidade e resgatou-a. Deu Madalena a alma pelo amor do filho do Senhor e encontrou-os. Ao amor. E ao Senhor. E encontrou um caminho de arrependimentos e expiações pelo poder resiliente do Amor.

Desceram o madeiro. Descravaram-lhe o ferro da carne e ficaram as mulheres limpando-o. Mas só uma o conhecia por inteiro. A si e ao seu legado de Amor. Madalena.

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