Crónicas de África - Pipocas na Aldeia dos Pescadores


Pipocas na Aldeia dos Pescadores

Maputo, 29 de setembro de 2012

A pergunta surgiu ontem e foi simples, mas, como quase sempre acontece por aqui, uma pergunta desse tipo pode conter promessas e acabar em momentos inusitados:
- Então priminhos, amanhã almoçamos juntos?
- Sim, Claro.

E hoje, lá fomos, direitos ao "Mimmos" da Matola. O "Mimmos" é um restaurante com alguns pratos muito interessantes e de preços bem acessíveis. A Matola é uma espécie de subúrbio de Maputo de avenidas largas, casas térreas e espaçosas. Não fosse o trânsito matinal durante a semana, e toda a Maputo moraria na Matola. Apreciámos o grande jardim central, verde e florido e tivemos pena que no lugar do grande lago só estivesse o buraco. Depois avistámos um Gula-Gula. É um lagarto de porte mediano com a particularidade de ser muito azul na cabeça e parar durante a subida de uma árvore e ficar a oscilar a cabeça como se estivesse numa dança africana. E talvez esteja.

Depois visitámos o L. e inspecionámos um carro que ele tem para vender. Agradou-me, mas está a fugir do orçamento. Talvez se consiga uma solução de compromisso... Quando deixámos o L., o Marco disse, Quando saem comigo, nunca sabem como vão voltar. E o regresso foi, de facto, uma agradável e assinalável surpresa. O Marco não gosta de asfalto. Coisas do feitio dele. Vai daí, começa a meter por estradas de terra com lombas onde um carro desaparece para reaparecer no alto dela e seguiu a direção de Maputo. Perderam-se as lombas. A paisagem tornou-se mais plana e o terreno parecia um pântano seco. Quando está maré vazia pode atravessar-se e vai dar a um rio nos arredores da capital. Cruzámo-nos com um tipo num jipe e perguntámos para onde era a Aldeia dos Pescadores. Resposta rápida: Não sei, tenho para aqui um terreno, mas não consigo encontrá-lo, já ando meio perdido. Decidimos seguir na direção do rio e acabámos desembocando numa praia lindíssima, de pequenas dunas, vegetação rasteira, embarcações precárias de andar à pesca e o rio feito mar estendendo-se a nossos pés numa ondulação pacífica. De semi-perdidos num pântano, passámos a capitães de praia. E, como a tarde caía e o sol se punha, olhei o mar e procurei o astro amarelo, mas só lá estava...  a lua! Que raio, mas que é feito do sol? Está nas tuas costas! Pode parecer uma parvoíce, mas estes pequenos pormenores estranham-se. O sol aqui põe-se em terra e nasce no mar. Coisas do Índico que tem a mania de ser diferente!

No regresso, o Marco orientou-se sensorialmente para a direção que achava ser a mais correta. E era. Ao atravessarmos o pântano no meio de nada, sem viv'alma por perto, eis que surge um jovem com um fato de fazenda, uma camisa de seda e uns phones nos ouvidos. Peculiar, mas não tanto como as pipocas. A noite tinha caído entretanto. A Aldeia dos Pescadores é atravessada por uma estrada de terra que tem enormes buracos que o mar foi escavando e lombas a fazer lembrar pistas de motocross e a ladear este acesso tão precário, estão precárias e minúsculas construções em blocos ou em zinco a que podemos chamar de casas, se quisermos. Algumas têm luz de gerador, outras têm luz de bateria, de muitas exalam músicas alegres e mexidas e a maioria oferece produtos. Mercearias completas, casas de frutas, casas de tabaco, barbearias, casas de peixe, mulheres sentadas na beira da estrada com arcas congeladoras repletas de cervejas e refrigerantes 
e bares, imensos bares com luzes fracas. Em alguns pontuavam mesas de snooker. Na maioria, duas ou três cadeiras e a promessa de uma geladinha. E tudo isto era rudimentar, mas fervilhava de vida e agitação. E eis que surge o pormenor mais delicioso deles todos. Por entre casas de tábuas e zinco e blocos de cimento incompletos, por entre luzes fracas e numa estrada de terra e pó, luzia uma máquina de fazer pipocas fumegando e exalando o odor que nos invadiu o carro. Assim, de repente, onde menos se esperaria, Hollywood estava na Aldeia dos Pescadores. Esta terra tem precariedade, mas encerra promessas de liberdade e crescimento como poucas outras o fazem. É um chão que brota gente tão industriosa e alegre quanto desorganizada. Mas as vozes que se ouviam eram de alegria. Essa lição, temos ainda de aprender. A fazer muito com pouco, a iluminar a alma com luz de bateria, a parir a alegria onde reina o caos e, claro, a vender pipocas na Aldeia dos Pescadores.

Mais tarde, comprámos uns churrascos no "Piri-Piri" e fomos para casa comê-los. Eu reguei copiosamente os meus pedaços com piri-piri caseiro da Dona Rachida, é tão fraco ou tão forte que até faz chorar só com o cheiro, eu cá acho que me cresceram cabelos no peito. Ah homem!

E foi assim o nosso almoço. Começou à uma da tarde e acabou às oito da noite... maningue tarde!

jpv

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Gula-Gula no jardim da Matola


Praia Fluvial Salgada junto a Maputo


A lua sobre o mar

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