Crónicas de África - Um Dia com M.


Um Dia com M.

M. é um muçulmano, casado, pai de duas meninas aos vinte e seis anos e um tipo intrinsecamente honesto. É também intrinsecamente negociante. E como sabe que um negócio atrai outro, nunca prejudica nem engana quem lhe compra bens ou produtos. Só transaciona material que ele próprio certifica como sendo de qualidade. Claro que se lhe dás mais do que as coisas valem, esse é um problema teu.

Aluguei-lhe uma casa em Maputo. É o meu senhorio, portanto. Um dia destes, por via da legalização e assinatura do contrato, passámos um dia quase inteiro juntos no carro dele. Era o M., eu, a minha mulher e a mãe dele que ele trata por mamã. É impressionante como muda de registo, ora está a falar em tom malandro e sério a fazer um negócio ao telefone, ora põe o tom mais meigo que pode ouvir-se a um homem e diz, Cuidado, mamã, aí tem água! Foi possível e muito interessante conversar com ele acerca de esquemas de negócio, de negócios propriamente ditos, de como conseguir as coisas mais facilmente, de princípios, de valores, da nossa postura perante a vida, de religião. Um dia, a todos os títulos interessante. M. é moçambicano. Sempre aqui viveu, embora tenha viajado, conhecido e trabalhado em outros países, como por exemplo, Angola e Paquistão. Veste a sua túnica, entra no carro, coloca o telemóvel no colo e passa o dia a resolver problemas às pessoas. O telemóvel é o meu escritório, diz com entusiasmo.

No espaço de um dia, alugou-me a casa, fomos às finanças e ao notário, fez diversos negócios para reparação de i-pods e telemóveis, Gosto mais de trabalhar com software do que com hardware, tem menos riscos. Quando lhe disse que ia precisar de carro, atalhou logo, Queres de cá ou importado? Se quiseres importado, também te importo? Não tens net? Olha, a oferta melhor é da empresa xis, eu trato-te disso. Impressora? Diz lá que marca queres? E o modelo? De repente, ele estava a parar em locais onde apanhava telemóveis que ia entregar no dia seguinte, as pessoas confiam nele, sabem que vai devolver arranjado. Desbloqueou-me o meu telefone português. Ao passarmos por uma rua, disse-me, Estás a ver aquele carro branco? Estou. Está a ser roubado. Depois dos nossos primos e dos seus ensinamentos, foi muito interessante conhecer o M. e toda a sua capacidade para se movimentar e negociar na grande cidade. Está sempre ativo e atento e o negócio corre-lhe nas veias. M., esse parking é exclusivo. Vamos ver... Estacionou lá, claro! Sem problemas. O M. tem uma dicção perfeita e uma agilidade de raciocínio invejável e sabe alterar o registo do discurso de acordo com o seu interlocutor. É absolutamente educado comigo, é meigo com a mãe e quando se aproxima de um cliente pode dizer com um tom muito cool e integrado, Oi mano, qual é o teu problema? Às tantas reclamei, M., duas horas para abrir uma conta?! Não estranhes, é por isso que isto é Moçambique! Não sei como será o futuro, não sou adivinho, para já, tudo isto se revela surpreendentemente tentador! Se eu podia viver em Maputo sem o M.? Poder, podia, mas não era a mesma coisa! Hahahaha...
jpv

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