Crónicas de África - Adaptadores e Adaptações


Adaptadores e Adaptações

Maputo, 9 de outubro de 2012

Ainda me vão perguntado, os colegas e amigos de cá assim como os de Portugal, como é que eu me estou a adaptar, se a adaptação tem sido fácil, ou como é que estou a reagir à adaptação. A resposta repete-se, isto tem dores e dá trabalho e é cansativo e é uma mudança grande mas, na generalidade, estou a adaptar-me bem e depressa.

Hoje, voltaram a perguntar-me o mesmo e eu lembrei-me dos adaptadores e das adaptações. Ah pois, os adaptadores são uma coisa muito importante em Maputo. Eu esclareço. Em Portugal, quando compramos um eletrodoméstico, temos a certeza de que chegamos a casa, enfiamos a ficha na tomada e ele funciona. Pois isso é muito giro e muito fácil, mas cá não é assim. Os eletrodomésticos funcionam. Disso não há dúvidas, não tenho razões de queixa. Agora que as fichas sirvam nas tomadas, já isso é outra história. A norma aqui é igual à de Portugal, ou seja, as tomadas das casas tem dois "buracos" e as fichas têm duas "perninhas", acho que o termo técnico é bornes, mas não tenho a certeza. Ora, Moçambique tanto importa eletrodomésticos da Europa, como do Reino Unido na Europa, como, na sua maioria, da África do Sul. Acontece que as fichas dos eletrodomésticos no Reino Unido têm três "perninhas", todas retangulares, já as da África do Sul têm três enormes "pernas" redondas. Assim, uma pessoa pode comprar um espremedor de sumos, ou uma torradeira, ou um microondas, chega a casa, abre a caixinha e quando vai para ligar o aparelhómetro a coisa não serve na coisa. Assim, a lei moçambicana obriga os vendedores a fornecerem uma ficha compatível com as tomadas. Isto até seria fácil, mas se cortamos a ficha e pomos a que nos deram e calha de o eletrodoméstico ter uma avaria, o vendedor vai dizer que não pode acionar a garantia porque ele não está conforme foi vendido. Vai daí, surgiu a febre dos adaptadores. Há adaptadores do sistema britânico para o moçambicano, do sistema sul africano para o moçambicano, mas também há do europeu para qualquer um dos outros porque, entretanto, houve quem se lembrasse de mudar as tomadas lá de casa! Enfim, os adaptadores, em Maputo, são um negócio em expansão. Nem é preciso dizer que cada adaptador é um matacão de todo tamanho e dois ocupam o espaço de uma extensão de quatro entradas. Nada a fazer senão adaptarmo-nos.

Já as adaptações têm sido diversas. O ritmo de vida é diferente. Cinco horas da manhã é uma hora razoável e não muito cedo para uma pessoa se levantar. A primeira aula, por exemplo, é às sete! Dez da noite é tardíssimo. Ir dormir às oito ou nove é o mais aconselhável. É preciso adaptarmo-nos aos volantes à direita, ao trânsito pela esquerda e ao interruptor dos piscas do lado direito. Quando se começa a conduzir aqui, é comum fazer-se o pisca e as escovas do limpa pára-brisas começarem a dançar. Pormenores. É preciso adaptarmo-nos à ideia de andar com dinheiro no bolso. Cá há cartões e a maioria das lojas já aceita pagamento com cartões mas... os cartões servem mesmo é para levantar dinheiro! Toda a gente anda com dinheiro porque as transações são muito pessoais e rápidas e... acho que faz parte desta cultura. Dinheiro no bolso, portanto. Vivo!
 É preciso adaptarmo-nos a carros 4x4 porque as estradas têm mesmo muitos buracos, quando há estradas. É preciso adaptarmo-nos a longas filas nos bancos. A usar repelente para insetos. À ideia de 40º celsius no Natal! É preciso adaptarmo-nos à ideia de que, sempre que se estaciona o carro, alguém se oferece para o lavar. É preciso adaptarmo-nos a uma alimentação diferente, mais picante, mais condimentada, mas também com mais fruta. É preciso saber esperar. É preciso adaprtarmo-nos a uma cidade cujas ruas tanto têm nomes de moçambicanos, como de portugueses, como de russos, como de chineses. É preciso adaptarmo-nos à ideia de que a marcação de um evento, um encontro ou um serviço, só por si, não quer dizer que ele vá acontecer. É preciso adaptarmo-nos ao sorriso das pessoas, que é constante. É preciso adaptarmo-nos à ideia de haver esperança. É preciso adaptarmo-nos a um povo que é constantemente simpático. E, para mim muito importante, é preciso adaptarmo-nos à Língua que aqui se fala. É português, sim, mas é português com bailado nas frases, com palavras de changana pelo meio, com expressões do inglês que se fala na África do Sul entremeadas. É um português mestiço e musical. Lindo de se ouvir, às vezes difícil de se perceber. 

E todas estas adaptações requerem tempo. Sim, estou a adaptar-me bem, mas não é já. Como dizem aqui, Hei de fazer! E, se não me adaptasse, poderia sempre comprar um adaptador!
jpv

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