Crónicas de África - Índico Maravilhoso


Crónicas de África - Índico Maravilhoso

Maputo, 7 de outubro de 2012

Nunca gostei muito de praia. Sempre amei o mar como uma extensão de mim. A misteriosa. Às 17:30 do dia 5 de outubro parecia ter vivido três dias num. Se me tivesse deitado naquele momento, tinha adormecido até ao outro dia, mas foi preciso adiar a hora do sono. Ainda havia muito para experimentar.Preparámos um saco de roupa e uma caixa com mantimentos. Tinham-nos dito, Para onde vamos há excelentes condições mas não há comida. Atestei o depósito e a conselho do Marco levei um JerryCan com 20l extra. Às 8:30 enfiámos os carros no ferry e atravessámos de Maputo para Catemba. Assim que o carro saiu do barco, o asfalto desapareceu. Verificámos a pressão dos pneus e o Marco aconselhou, Põe isso em 4x4 porque daqui em diante é só terra e areia. Seguimos para Sul. A primeira parte do percurso foi em terra batida semeada de buracos por todo o lado. Passámos por uma carrinha avariada que tinha como sinalização de veículo imobilizado uns ramos de árvore atrás e à frente. Um pouco mais à frente, a polícia mandou-nos parar, perguntaram-nos se íamos passear e se estava tudo bem. Respondemos que sim às duas perguntas. O senhor está com aquelas pessoas que vão na carrinha ali à frente? Estou sim. Então boa viagem. Obrigado. Estava prestes a arrancar e o polícia disse para a Paula, Mamã tens aí uma garrafa de água? Tenho sim. E demos-lha antes de seguir. A polícia aqui sabe que os locais são inóspitos e que os caminhos são tortuosos, logo, a maioria dos auto-stop são de caráter pedagógico. Só querem saber se estamos bem, se a viagem está a correr bem. Isso, para eles, é mais importante do que a papelada. Por vezes, pedem água e compreende-se porque são largados no meio de nada ao calor e têm de aí ficar horas a fio. Os condutores são a sua companhia e a fonte de água fresca. Entrámos na área da Reserva de Elefantes de Maputo mas não vimos nenhum. Em contrapartida, deparámo-nos com diversas manadas de vacas que tivemos de contornar porque elas, simplesmente não saem do caminho. Depois veio o asfalto. Quer dizer, o que sobra dele. O Marco parou para avisar, Agora temos aqui um bocado de asfalto. Acontece que os buracos eram tantos e tão grandes que raramente andávamos 100m sem parar para contornar um. Decidi seguir a maior parte do trajeto pela berma de terra. Asfalto é que não! Ao cabo de duas horas tínhamos andado 65km. Seguiu-se um troço de areia direito e largo, mais um pouco de asfalto e, por fim, uma picada de areia muito funda a exigir as mudanças baixas por diversas vezes. O carro portou-se muito bem. Tem força, é ágil e não aconteceu o que eu mais temia: não sobreaqueceu. Ao cabo de 130km e mais de quatro horas de caminho, chegámos à Ponta Malongane. Estava cansado e só me apetecia dormir. Não sabia que o melhor estava para vir. O lodge Tartaruga Marítima é um dos muitos que há por aqui, consiste num conjunto de cabanas construídas em madeira e canvas (um tecido muito mais resistente do que o pano e muito mais fresco do que a lona), colocadas no meio das árvores como se fizessem parte da paisagem. As camas são muito confortáveis e estão protegidas por mosquiteiros. Somos constantemente visitados por macacos que tanto andam nas árvores, como fazem correrias loucas por cima das cabanas. O lodge tem uma área de restauração comum onde há frigoríficos, fogões, grelhadores, lava-loiças, armários, amplas mesas, sofás confortáveis e todos os requisitos para guardarmos e confecionarmos os nossos alimentos e estarmos confortáveis. Os funcionários do lodge mantêm o local limpíssimo. A vista para o Oceano Índico, por cima das árvores, é de cortar a respiração. O acesso às cabanas e à praia faz-se por um passadiço de madeira que há por todo o lodge. Antes de entrar no mar pensei, É a primeira vez que vou dar um mergulho no Índico! O Marco avisou, Está fria! Mas a verdade é que a água do mar estava cálida, uma temperatura morna e convidativa, um azul esmeralda intenso a entrar pelos olhos e a preencher todos os recantos da alma. E um cristalino de ver a nossa própria sombra no fundo do oceano. O areal é de uma extensão a perder de vista e toda a praia está povoada de colónias de caranguejos que abrem buracos na areia para se esconderem. Se estivermos sentados numa toalha muito quietinhos, eles começam a surgir à nossa volta, a um simples palmo de distância. A primeira coisa que fazem é limpar os olhos e deslocam-se a uma velocidade incrível. No dia seguinte ao almoço reparámos que, ao longe, já perto da linha do horizonte, havia jatos de água que pareciam emergir do próprio mar. Era uma colónia de baleias das muitas que por ali habitam. À noite fomos à praia e presenciámos um fenómeno muito interessante. À medida que caminhávamos, acendiam-se pequenos pontos de luz na areia que tínhamos acabado de pisar. Pegadas de luz... uma fantástica luminescência noturna no imenso areal da Ponta Malongane.

Como eu e a Paula tínhamos muito trabalho para fazer, preparar aulas, reuniões e fazer materiais, decidimos sair no domingo de manhã bem cedo e deixámos os primos para trás com os miúdos para aproveitarem mais um bocadinho. O Marco emprestou um GPS, uma pá, uma catana e um kit de primeiros socorros. O GPS deu imenso jeito. Do resto, felizmente, não precisámos. Cruzámos-nos com fauna diversa. Um lagarto de proporções enormes, cerca de 1m de comprimento e 30cm de diâmetro que ficou parado no meio da estrada a olhar para nós, uma manada de vacas à briga umas com as outras, tivemos de esperar que desocupassem a estrada para podermos passar, macacos atrevidos a atravessar a estrada à frente do carro e um fabuloso bando de galinhas selvagens muito azuis e com uma popa preta na cabeça. Chegámos cedo, antes de almoço, banhos e trabalho e as baterias completamente recarregadas, as da mente que o corpo pede uma boa noite de sono. O Índico é maravilhoso, a viagem comporta riscos mais ou menos controlados, mas é fantástica e esta terra, sejam quais forem os passos que dêmos, parece reservar-nos surpresas e emoções a cada momento. 
jpv

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