Crónicas de África - O meu Aniversário com o Povo Moçambicano


O meu Aniversário com o Povo Moçambicano

Maputo, 4 de outubro de 2012

Não é segredo. Faço hoje 45 anos. Vim a fazê-los em condições bem diferentes do que imaginaria, por exemplo, o ano passado. A última vez que fiz anos em África foi há 38 anos na terra em que nasci, Gabela, Angola.

Vivo um sentimento de reencontro e completude, um ciclo que se fecha e uma perspetiva que se abre. Saudades do filho e da família, mas o olhar em frente. Aos 45 anos estou a tentar reinventar a vida, repercorrer trilhos e caminhos, lavar a alma, adoçar o coração. É boa terra para isso, Moçambique. Uma terra de gente doce e simpática. Ando há uns dias para escrever sobre os moçambicanos, mas não tenho tido um motivo para começar. Hoje há um extraordinário motivo. Moçambique e eu temos algo em comum. Uma celebração no dia de hoje. Aqui, o dia 4 de outubro é feriado. É o dia da Paz porque foi neste dia que se assinaram os acordos que garantiram esse bem precioso. E começo por aí. Se há algo que carateriza os moçambicanos, novos e idosos, homens e mulheres, mais ou menos cultos, é o apreço e a valorização da Paz como um bem a manter. É fácil, em qualquer conversa, um moçambicano, derivar para a Paz e defender a sua conquista e a sua preservação. Os moçambicanos falam da Paz com carinho. Hoje ao sair de casa pela manhã cruzei-me com uma senhora que disse como quem anuncia a boa nova, Feliz dia da Paz. Feliz dia da Paz, respondemos comovidos à sua prece.

Outra caraterística deste povo é a hospitalidade e a alegria. Um dia destes, entrei num supermercado e um funcionário disse, Bom dia, eu respondi, Bom dia como estás? Estou feliiiz... Felicidade também para ti. E sorriu genuíno como se fosse essa a sua essência. Aqui, têm o costume de tratar as mulheres por mamã e os homens por papá. A como estás a vender as bananas? A 25 meticais, papá! À saída dos supermercados, é preciso mostrar os recibos de pagamento e, se nos for solicitado, as compras. Quem faz esse serviço são funcionários do supermercado ou seguranças. Esta semana presenciámos um contraste vertiginoso entre o aspeto de um homem e a sua alegre essência moçambicana. Era um segurança a solicitar os recibos das compras. Tinha uma farda azul, um cinto encarnado, botas da tropa, um cacetete e uma pistola no coldre. A Paula disse, Bom dia, como estás? Estou feliiiz, um bom dia para a mamã também! E sorriu um sorriso aberto do tamanho do Universo. Como povo, não são nada stressados, pelo contrário, um dia de cada vez, uma coisa de cada vez, é o seu lema. Quando vens? Hei de vir! Quando fazes? Hei de fazer! E vêm e fazem, só não stressam com isso. E essa tranquilidade passa a quem contacta com eles. Têm uma naturalidade confrangedora na atitude, para os moçambicanos, as coisas são o que são, sem véus nem fingimentos. Um dia destes perguntei ao canalizador:
- Então, já fizeste? 
- Ainda!
- Ainda? Ainda quê?
- Ora, não se diz ainda sim!
Toma e embrulha!
São pessoas disponíveis, claro que têm interesses e o sentido do negócio, mas prestam-se a ajudar antes de mais e, mesmo quando negoceiam, ainda que o façam com malandrice, fazem-no sempre com boa disposição. Os moçambicanos sofreram muito. Têm agora oportunidade de reconstruir o seu país e estão a fazê-lo com tranquilidade e um sorriso nos lábios. E claro, sabem que precisam de ajuda e por isso desenvolveram um sentido de inclusão com particular enfoque nos portugueses. É claro que uma grande cidade como Maputo tem zonas e horas do dia em que pode ser perigoso passar, mas isso acontece em qualquer grande cidade. Na generalidade, o ambiente é seguro, as pessoas são afáveis e a verdade é que, estando longe da família, sinto que vim fazer 45 anos a casa!

Hoje demos um passeio de carro pela cidade. Sim, já temos carro. Se tinha sido interessante um português alugar casa a um muçulmano em África, imaginem um português a comprar um carro japonês a um paquistanês que só fala inglês em África! Pois, o tal do melting pot é aqui! Aqui se vive uma mescla cultural quotidiana, rua a rua. O vendedor foi o Atif. No dia seguinte a ter-me mostrado o carro e tendo ele ficado a considerar uma contraproposta de valor que lhe fiz, telefonou-me e disse, Good morning, brother, you go see car? Claro que não lhe podia falar um inglês correto, senão começava uma conserva de surdos, então, mentalmente pedi desculpas a todos os meus professores de inglês e respondi bem alto, I go see car after lunch! Às tantas, reparei que o carro não tinha macaco e se tivesse um furo estava enrascado, ele viu que eu reparei e disse, juro que disse, a seguinte frase, No problem, I give macaco! Larguei a rir, I give macaco é inimitável. O Atif começou também a rir, olhou para a Paula e disse, good car for mamã go shoping! A sério, foi delicioso. Fechámos negócio e a nossa qualidade de vida aumentou substancialmente porque em Maputo, como já antes se escreveu, a mobilidade é fundamental e a melhor forma de a ter é com viatura própria. O Atif ainda tentou gabar o auto-rádio que era bom para a mamã ouvir música, mas eu disse-lhe que os botões estavam todos em japonês e ele calou-se, não fosse estragar o negócio. É giro porque os botões não têm os sinais internacionais de play, pause, etc... têm só carateres japoneses, os botões e o livro de instruções, enfim, pormenores sem importância nenhuma, em Maputo, um carro automático serve para acelerar e ir em frente... mais ou menos em frente!

Convidámos os primos Marco e Sandrine e o tio Zé (que não pôde vir porque vai viajar) e fomos almoçar ao rodízio. Correram carnes deliciosas, muqueca de peixe, sobremesas supremas e umas cervejinhas geladas e terminámos a tarde a planear uma passeata...

Há pormenores da vida aqui que são muito difíceis, mas na generalidade, o projeto vale muito a pena porque este é um país em crescimento, com potencialidades tremendas, com pessoas alegres e sorridentes, que nos interpelam na rua com simpatia para um cumprimento. E há esperança. Sim, posso dizer que em Moçambique há esperança e essa esperança, tão pouco palpável em tese, sente-se no quotidiano e muda-nos a perspetiva de vida.

À sexta-feira à tarde, ao longo da avenida marginal da Costa do Sol, com palmeiras e outras árvores marcando o traçado bordejado pelo mar, eles começam a chegar em carros e carrinhas, as malas térmicas estendem-se ao longo da avenida prenhes de sumos e cerveja, a mais popular chama-se "Laurentina", mas eu gosto mais da "2M", eles estacionam os carros e ligam os rádios no máximo e riem e cantam e dançam e bebem e há vida e festa e sensualidade no ar. É difícil cruzar a avenida ao fim-de-semana. Porque há festa. E a razão não é outra que estarem as pessoas vivas e ser fim-de-semana. Esta celebração da vida só termina ao final de domingo. No dia seguinte, inicia-se uma semana mais, sem stress.

Nos últimos anos, sempre que fiz anos, senti o peso deles. Este ano fiz menos um. Na cabeça, que é onde mais conta! E, sim, tenho saudades. Se não tivesse, não era português!
jpv

NetWorkedBlogs