Crónicas de África - Mais Coisas do Quotidiano


Mais Coisas do Quotidiano

Maputo, 22 de outubro de 2012

Hei de
Eu não sei como é que os moçambicanos escrevem a terceira pessoa do singular do presente do indicativo do verbo haver, se hei-de, à moda antiga, se hei de, à modinha, mas sei que usam esta expressão com muita frequência e significados diferentes consoante o verbo que lhe juntarem. É impossível passar um dia em Maputo sem nos cruzarmos com o hei de. Por exemplo, se perguntarmos a alguém, Fazes-me isso? Ele pode responder hei de fazer ou hei de ver. Se disser hei de fazer, isso quer dizer que já decidiu fazer, só não se sabe quando fará. Se responder hei de ver, isso quer dizer que ele ainda há de decidir se vai fazer e só depois há de fazer. Da mesma forma, se perguntarmos a alguém, Mas vens ou não vens?, ele pode responder hei de vir ou hei de chegar. Hei de chegar é bom sinal, quer dizer que está a caminho, vai demorar cerca de uma hora, sejamos otimistas. Se ele disser hei de vir, a coisa é complicada, ele sabe que virá, mas não tem a certeza quando. Nestes casos, pode-se esperar duas a quatro horas, um dia, ou várias semanas. Mas virá! Um canalizador disse-me há três semanas hei de vir e ainda não veio. Parece que vem hoje!

Estou a chegar
Os moçambicanos são deliciosamente perifrásticos. É quase como se dizer um sim ou um não diretos fosse demasiado brusco e pudesse chocar ou ofender o interlocutor. Assim, se nos disserem, Assim não há de ser, quer dizer que não vai acontecer, façam-se os esforços que se fizerem, o solicitado está para além da capacidade de realização de quem disse a frase. O pior mesmo é quando aparece o verbo estar como auxiliar. Por exemplo, se alguém nos disser, Estou a chegar, que é para mim a mais emblemática das expressões que usam o verbo estar como auxiliar, isso não quer dizer que ele está a chegar, isso só quer dizer que o processo da chegada dele está em curso. Ora, daí até o vermos podem distar medidas de tempo diversas, minutos, horas, dias, semanas... Outro exemplo interessante é o Estou a ir lá. Se pedimos a alguém um serviço que implica ir a algum lado e ele diz essa frase, isso não quer dizer que ele já está a caminho, só quer dizer que decidiu ir. Quando irá é outra conversa... Quando é que se deve ter medo? É simples, se ouvirem alguém dizer-vos a frase Tem problema, fujam e procurem outra solução. Vocês não querem entrar nesse problema e a razão é simples: não tem saída!

Bom Descanso
Esta é uma frase deliciosa. Em Moçambique preza-se muito o descanso, não só o próprio como o dos outros. Assim, no final de um dia ou de uma semana, ninguém diz Até amanhã porque isso é estar a invocar o dia seguinte passando por cima de um momento crucial, o descanso. O mesmo com o final de semana. Ouve-se dizer Bom fim-de-semana, mas é muito mais comum e agradável ouvir dizer Bom Descanso! As pessoas sabem que vamos descansar e querem que isso corra bem. 

Dar sinal
Não é avançar com uma porção de dinheiro para garantir um serviço! Se alguém nos diz, Vou-te dar sinal, quer dizer que, à hora combinada, vai-te dar um toque de telemóvel e desligar para tu ligares de volta. Isto quer dizer que ele não tem saldo ou decidiu que tu tens mais saldo do que ele!

Dá-me crédito
Esta é uma expressão muito engraçada porque não quer dizer nada do que a frase expressa. Em primeiro lugar, nesta frase o dá-me não está a pedir que o outro dê algo, mas sim que venda. E o crédito não é confiança, nem é bancário, é somente uns minutos de telefone. Assim, quando se quer comprar uns minutos de telefone, abordamos o vendedor de rua, devidamente identificado por um colete da companhia telefónica de que somos clientes, e dizemos, Dá-me crédito, e ele vende-nos uma raspadinha com n meticais de chamadas!

Humidade
Para além do calor, que é uma constante, a humidade relativa do ar é sempre muito elevada em Maputo. Ontem estiveram cerca de 30ºc, mas a humidade do ar esteve nos 98%, ou seja, passei o dia inteiro a suar mesmo quando não estava a fazer nada. A pele fica hidratada e escorregadia como se tivessemos um creme gordo posto. O exmplo mais engraçado que posso dar-vos acerca da humidade do ar em Maputo tem a ver com o papel da impressora. Seja dia de sol ou chuva o papel está sempre húmido ao tato e se o deixamos no tabuleiro da impressora fica deformado porque, devido à humidade, não se tem direito.

Autorrádio
Agora escreve-se assim. O meu, como já referi antes, vinha com o carro que veio do Japão por mão de um paquistanês que só falava inglês e mo vendeu, a mim, que nasci em África e sou português. Ora, os japoneses não querem saber disso para nada e mandaram o livro de instruções em japonês. Isso e o painel do autorrádio que, como se vê pela imagem, é muito fácil de utilizar. Tem lá tudo escrito! 

E por hoje é tudo. Se estiverem a gostar destas crónicas, não se preocupem, hei de fazer mais!

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Painel do meu autorrádio: Está simples de ver!


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